Foram reportados ao Tribunal de Contas (TdC) 432 contratos celebrados no âmbito da Jornada Mundial da Juventude (JMJ Lisboa 2023), no valor total de 64 milhões de euros, mas outros 17 contratos, que custaram mais de 972 mil euros, não chegaram a ser entregues, apesar dessa informação ter sido solicitada. Estão em falta as Câmaras de Lisboa e Loures, e também o Governo, indica a auditoria ao investimento das entidades públicas, agora revelada, onde podem ser consultados todos os valores envolvidos.Na auditoria foram também analisados contratos feitos pela câmara de Oeiras.
Nas conclusões, o Tribunal começa por criticar a organização do evento. Diz que “não foi evidenciada a realização de um planeamento efetivo”, para acrescentar que, sabendo-se desde 2019 que a JMJ se ia realizar em Lisboa, “não são inteiramente razoáveis as razões invocadas” para se ter optado pelo ajuste direto. Mesmo quando “passou a existir uma situação de urgência” (a aproximação da JMJ), o legislador podia ter optado por uma solução diferente, a “consulta prévia com convite”, em que desse possibilidade a “pelo menos cinco entidades” de concorrer.
Contas feitas, dos 432 contratos reportados ao Tribunal, oito foram fiscalizados. Mais de metade (55%) foram fechados por ajuste direto, e mais de 63% através de “procedimentos não concorrenciais”.
O contrato mais caro, acima de 8 milhões de euros, foi da Infraestruturas de Portugal, para “adaptação do Parque Norte do complexo logístico da Bobadela”, seguido da reabilitação do aterro sanitário de Beirolas, que custou quase 7 milhões de euros. A fechar o top 3, com quase 6 milhões, está todo o sistema de áudio, vídeo, iluminação e energia para o Parque Tejo, despesa suportada pelo Governo.
A Câmara de Lisboa fez o maior número de contratos (102), mas foi o Governo (através da SGPCM, Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros) que teve a maior despesa: cerca de 15 milhões de euros.
A construção do altar palco no Parque Tejo-Trancão ficou quase 21 mil euros abaixo do preço contratado, mas só nas fundações da cobertura do palco gastaram-se 41 mil euros a mais. No total, esta empreitada teve um custo superior a 1,1 milhões de euros, o que inclui já um agravamento de 3,85%. O Altar Palco custou 2 milhões 959 mil euros (menos 0,70% dos 2 milhões 980 mil euros orçamentados). Esta obra estava inicialmente adjudicada por mais de 4 milhões de euros.
A auditoria do Tribunal de Contas indica, ainda, que foi gasto mais dinheiro em obra, acima de 34 milhões de euros, do que em serviços, onde a despesa foi de quase 20 milhões.
Cerca de 71 contratos, no valor de mais de 34 milhões de euros, foram investimentos que vão permitir “utilizações futuras, para outras finalidades, para além da JMJ 2023”, refere o Tribunal. Entre as entidades abrangidas está a EMEL, a Secretária-Geral do Ministério da Administração Interna, as autarquias de Lisboa, Loures e Oeiras, e a Infraestruturas de Portugal, entre outras.
Nas despesas do Governo, destaque para o pagamento das remunerações dos membros do Grupo de Projeto, criado pelo executivo e coordenado por José Sá Fernandes. Até ao final de maio de 2023 – o que corresponde ao exercício de apenas metade do mandato, que só termina no final deste ano, 2024 – receberam mais de 679 mil euros.
O Tribunal também critica o recurso a subempreiteiros, mesmo em empreitadas adjudicadas por ajuste direto. Numa delas, a da construção do Altar Palco no Parque Tejo-Trancão, “dois subempreiteiros não comprovaram deter a habilitação legal necessária” para executar os trabalhos, “situação que não foi acautelada pelo dono da obra”. Noutra situação, o custo da subempreitada ultrapassou os 67 % do valor final da obra o que, embora sendo legal, é uma percentagem elevada, tendo em conta que foi atribuída por ajuste direto, sublinha o TdC.
O relatório faz, ainda, referência à ponte militar que estava inicialmente prevista para o rio Trancão. Acabou por não se realizar, mas foram gastos mais de 78 mil euros em estudos e projetos, situação que denota “ausência de articulação entre as entidades envolvidas”, refere o Tribunal, que nas recomendações aconselha a que se evite o ajuste direito, com o planeamento atempado, que se garanta que os empreiteiros a que se recorre estão legalmente habilitados e que todos os documentos pedidos pelo Tribunal de Contas sejam entregues.
Relatório “é sinal positivo”, diz presidente da Fundação JMJ
Desta auditoria do Tribunal de Contas não constam as despesas assumidas pela Igreja Católica na organização da JMJ Lisboa 2023, apenas as que foram suportadas pelas entidades públicas - no caso, governo e autarquias. Em declarações à Renascença, o cardeal D. Américo Aguiar, presidente da Fundação JMJ Lisboa 2023, sublinha a importância desta fiscalização às contas.
“O escrutínio e a transparência na utilização dos investimentos públicos são bases fundamentais de funcionamento de uma sociedade democrática e, nesse sentido, o relatório do Tribunal de Contas é um sinal muito positivo do normal funcionamento das instituições nacionais”, e as recomendações que faz “são importantes contributos para a melhoria dos procedimentos na Administração Pública e um incentivo para continuar um caminho de progresso no sentido do bem comum.”
“Não me competindo a mim, enquanto presidente da Fundação JMJ, tecer considerações sobre o trabalho de um órgão de soberania, gostaria apenas de destacar a importância da tarefa fiscalizadora e do contributo do Tribunal de Contas neste, como em todos os casos de utilização de bens públicos, para a melhoria da gestão da Administração do Estado”, acrescenta.
D. Américo Aguiar agradece de novo “à Presidência da República, ao Governo de Portugal, às autarquias de Lisboa, Loures, Oeiras e Cascais e a tantas outras entidades públicas que foram incansáveis na preparação e vivência da JMJ Lisboa 2023, e que desde a primeira hora permitiram realizar aquela que foi a mais bem organizada Jornada Mundial da Juventude de sempre, como bem sublinhou o nosso querido Papa Francisco”.
O evento terá custado à Igreja cerca de 34 milhões de euros. Em dezembro último, a Fundação JMJ previa apresentar publicamente as contas até final de março, indicando que "tudo aponta para a existência de um superavit". Mas, o prazo vai agora prolongar-se até maio, porque “está ainda a decorrer aquilo que é a auditoria da Deloitte, a quem muito agradecemos, mas mal termine teremos reunidas as condições para apresentar publicamente as contas finais da JMJ”, garante D. Américo Aguiar.
“As contas serão do conhecimento de todos, conforme a promessa que fizemos. E eu acredito que mal a Deloitte nos entregue o relatório final da auditoria, possamos fazer a apresentação que, estou convencido, não passará do mês de maio próximo, se Deus quiser”, sublinha o cardeal.