Bruxelas e Varsóvia de costas voltadas
08-10-2021 - 08:44
 • Fátima Casanova

O Tribunal Constitucional polaco declarou a inconstitucionalidade de vários artigos dos tratados europeus.A decisão põe em causa a prioridade do direito comunitário sobre o direito nacional.

A Polónia deu mais um passo que pode ser irreversível no confronto legal com os seus parceiros da União Europeia. Agudizam-se, assim, as tensões entre Varsóvia e Bruxelas que divergem em matéria de respeito pelo Estado de direito naquele Estado-membro.

Em causa estão as reformas levadas a cabo pelo Governo de direita polaco que, segundo a União Europeia, violam o Estado de Direito.

Porque foi chamado o Constitucional polaco a pronunciar-se?

Foi o Primeiro-ministro Mateusz Morawiecki que em março pediu a fiscalização de uma decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia. Uma decisão que determinava que os tratados europeus têm primazia sobre o direito nacional dos Estados-membros.

Agora, três dos cinco juízes do Constitucional consideraram partes do Tratado de Adesão como “inconstitucionais”.

O que levou o Primeiro-ministro a avançar com este pedido?

Porque a União Europeia considera que a reforma do sistema judicial posta em marcha pelo Governo ultranacionalista polaco, do partido Lei e Justiça, viola vários princípios do Estado de Direito, como, por exemplo, a independência dos tribunais.

Em abril do ano passado, Bruxelas abriu um processo de infração contra o Executivo polaco justamente por causa da reforma do sistema judicial, alegando que as normas põem em causa a Independência dos juízes e contrariam a legislação europeia. O Governo não se conformou e pediu à justiça polaca que decidisse e colocou a questão? Em caso de conflito é a legislação polaca ou são as leis europeias que devem prevalecer? Agora, o Tribunal Constitucional veio dizer que são as leis polacas.

Então, esta sentença do tribunal polaco acabou por não ser uma grande surpresa….

De certa forma já era esperada, porque a maioria dos tribunais do país tem sido preenchida com juízes alinhados com o partido do Governo, assim como a própria presidente do Tribunal Constitucional. É essa ingerência do Governo polaco no sistema judicial que é considerada inaceitável por Bruxelas.

Quais as reações do lado europeu?

O Presidente do Parlamento Europeu, David Sassoli, disse que a sentença do tribunal polaco não pode ficar sem consequências.

Já o porta-voz para assuntos judiciais, do Partido Popular Europeu (PPE), disse que a Polónia está cada vez mais perto de uma cisão completa com Bruxelas.

Os socialistas e democratas pediram a abertura de um processo contra a Polónia e falam de cenário negro no país.

Já há consequências deste confronto?

Para já, Bruxelas tem mantido congeladas as verbas do Programa de Recuperação e Resiliência de cerca de 36 mil milhões de euros, tal como já está a acontecer com a Hungria, que mantém um conflito semelhante com a União Europeia.

Ambos os países ainda não viram os seus planos aprovados pela Comissão Europeia.

Mas é previsível que a Polónia possa sair da União Europeia?

É uma possibilidade que está a ser falada, mas segundo as sondagens os polacos estão entre os maiores fãs da UE entre todos os cidadãos europeus. As últimos inquéritos dão conta de que sete em cada dez polacos desejam continuar no bloco europeu.

Depois, o Governo de Varsóvia necessita da força da UE para travar qualquer eventual avanço da Rússia.

Por agora, o “Polexit” já entrou no léxico de académicos e jornalistas que seguem as constantes batalhas entre o atual Governo, dominado pelos conservadores nacionalistas e a Comissão Europeia.