O antigo ministro da Ministro da Administração Interna diz que António Costa tem, nesta fase de transição de Governo, uma excelente oportunidade para corrigir os erros cometidos até aqui. Uma reflexão que deve ter em conta a crise humanitária que a guerra na Ucrânia está a provocar.
Em entrevista à Renascença, Ângelo Correia considera que no mínimo os planos devem ser adiados, dando tempo a uma verdadeira reforma de todo o sistema, ou então, que seja simplesmente esquecida a extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.
A extinção tem estado congelada, mas agora que já há Governo percebe-se que não há qualquer alteração de planos. O SEF vai mesmo acabar…
Não se compreende. Ou o Governo já tem uma ideia clara da restruturação do SEF ou então deve caminhar de outra maneira e pedir um novo adiamento, ou, terceira hipótese, deixar estar como está. Na discussão do programa de governo é obvio que isto terá quer ser clarificado – daqui a um mês saberemos. Do meu ponto de vista, há um dado muito importante: aquilo que se passou nos dois últimos meses. O fluxo de ucranianos em fuga já vai em mais de quatro milhões, e Portugal já concedeu 25 mil autorizações. O SEF num momento histórico, dificílimo e inusitado, desenvolve uma missão que ninguém consegue criticar. Eu pergunto, então se o SEF que querem extinguir desempenha cabalmente para Portugal, para o Mundo, para a Europa e para Ucrânia, uma tarefa tão complexa e o faz tão bem, qual é a razão da sua extinção? Daí que eu pergunte se o Governo tem capacidade moral e prudencial de voltar atrás, isto é, deixar tudo como está.
Mas se a lei está pronta, porque é que diz que continua sem haver uma ideia clara da restruturação?
Se o Governo levar adiante aquilo a que se propôs, os problemas com que se vai defrontar são de tal forma, que repetem problemas que ele detetou em setembro ou outubro do ano passado, que não foram resolvidos, nem se conseguem resolver normalmente, e que o obrigaram a adiar a entrada em vigor da lei.
Como por exemplo?
O estatuto de pessoal, por exemplo. O pessoal do SEF é qualificadíssimo, no estatuto da função publica têm todos a categoria 3. Ía acontecer uma coisa. Iam estar nas fronteiras e noutros locais de trabalho ao lado de pessoas de outras forças de segurança com categoria muito abaixo, e a ganhar mais do que elas. Sabe o que é que vai acontecer? Vai acontecer um conflito interno na GNR e na PSP, e até não sei se na Judiciária – embora talvez um pouco menos. Isto é uma tensão que destrói um serviço. E o Governo vai caminhar para isto. O problema mais grave, é o do banco de dados. Onde é que fica o banco de dados Shengen? Fica para as fronteiras, PSP e GNR? Fica para os crimes, PJ? Fica para o outro serviço que vai ser criado para o asilo? E para o Instituto do Registo e Notariado ? O banco de dados vai ser acedido não por uma entidade como acontecia até agora, mas por cinco ou seis. Como é que vão fazer? Como é que vai ser possível um local onde todos tenham acesso, ou vão partir a base de dados, ou vão replicá-la? Por último, como é que funcionários civis vão ter acesso a bases de dados de segurança? Como?”
Mais do que um novo adiamento, preferia que o governo esquecesse a extinção do SEF?
A minha solução é o arrependimento. Não acredito que o PS tenha arrependimentos com maioria absoluta, mas era dizer enganamo-nos. Deixem estar o SEF como está, porque desempenhou muito bem a sua missão, e continua a desempenhar como se está a ver nesta crise. Com que argumento político e social vamos dizer ao país estes tipos não prestam, temos que mudar. Já reparou o conflito que o governo vai ter?
E acha que o governo não está ciente disso?
O Governo não pensou em nada disto quando quis refazer o SEF. São impulsos errados, ou vinganças pessoais, não sei. Mas só fazia sentido se fosse repensada toda a estrutura de segurança interna. Se estamos a desfazer o SEF por completo, então há que reconstruir todo o sistema, donde não faz sentido nenhum. A não ser a multiplicação de problemas que podem ser conhecidos ou não, mas que vão ser sentidos pelos estrangeiros que querem vistos e não têm, que aguardam renovações e não têm, pela ambiguidade e pela falta de qualidade na resposta dada pelo Estado, pelas dificuldades orgânico-administrativas criadas. Tudo isto podia ser evitado. O governo falhou porque não tem um projeto. Tem espasmos. Um espasmo é uma fase do projeto. Às vezes é uma aleivosia do projeto.
Essas suas palavras levam-me a perguntar-lhe se acha que a reforma foi lançada só para salvar a cabeça do então Ministro Eduardo Cabrita, na sequência da morte de Ihor Homeniuk no Aeroporto de Lisboa.
Eu acho que estamos a valorizar excessivamente o Ministro Cabrita. Fazer uma reforma destas por causa do comportamento do Ministro Cabrita é excessivo, é dar-lhe um valor enorme. Por outro lado, também é simbólico. O caos que vai provocar é tão grande, que é digno do ministro Cabrita.
Referiu o atual contexto de guerra na Europa, e o papel que o SEF tem na gestão nacional de mais esta crise humanitária. E do ponto de vista internacional, como é que acha que esta extinção é vista pelos parceiros europeus?
Quando na Europa, particularmente a direção geral dos assuntos internos soube disto, houve uma perplexidade enorme. Não sei se sabe, mas vai haver uma inspeção a Portugal no verão (mecanismo de avaliação Shengen).
Se o SEF estiver em reorganização, eu quero ver o que é que a Europa vai dizer publicamente sobre Portugal. Antigamente havia um ponto focal que era o SEF, que articulava as políticas gerais nas relações com a Europa. Agora não vamos ter um ponto focal. Vamos ter três ou quatro.
Portugal conseguiu espantosamente ter um serviço respeitado, e agora vai ter um desmantelamento no relacionamento com a Europa. E a Europa vai ter dificuldade em relacionar-se com Portugal.”