Rui Pinto poderia muito bem enquadrar-se num caso de delação premiada, defende João Cravinho em entrevista à Renascença. O antigo ministro declara-se espantado que a principal preocupação do Ministério Público (MP) seja castigar o alegado pirata informático, em vez de investigar e apurar as suas revelações.
A grande preocupação da justiça, diz João Cravinho, deveria ser a corrupção, mas o que está a acontecer é a proteção do corrupto.
Nesta entrevista à Renascença, o antigo ministro socialista diz que o tema da delação premiada regressa com 13 anos de atraso. António Costa quer agora reabrir uma porta que foi fechada por Sócrates, sublinha João Cravinho, que enquanto deputado chegou a apresentar um plano anticorrupção, que acabou por ser rejeitado.
O Governo admite premiar a delação para combater corrupção. Como analisa este dado?
Em primeiro lugar, acho que este esforço vem com 13 anos de atraso. Há 13 anos estávamos também a debater. José Sócrates fechou por completo a discussão desse problema. Tudo quanto mais veio em anexo foi rejeitado ou adotado em tais condições que depois não teve a eficácia que deveria ter. Faltava, digamos assim, uma estratégia nacional de combate à corrupção.
Acha que António Costa vai, ou quer realmente, reabrir aquilo que Sócrates fechou?
Uma parte, sem dúvida. Se faz um grupo de trabalho sobre a delação premiada, tiro daí duas ilações: Essa matéria vai bastante além daquilo que Sócrates queria, ou não queria e, portanto, reabre-se essa frente, mas há outros aspetos, não menos importantes, que não sei se estão a ser tratados e, certamente, não se resumem à delação premiada, em exclusivo.
Quanto à delação premiada, em concreto, qual é a sua opinião?
Eu sou partidário de um regime jurídico que permita a delação premiada com garantias da dignificação do próprio processo, da própria justiça. Quero dizer, o delator é colaborante com a justiça. É evidente que o faz em interesse próprio, mas a justiça recolhe o benefício maior da delação. Por outro lado, a delação tem que ser enquadrada por exigências que façam com que tenha, de facto, substância fundamental para o processo em causa.
Por exemplo, Rui Pinto enquadrar-se-ia bem nesta situação de delator premiado, eventualmente?
O caso do Rui Pinto é verdadeiramente singular. Espanta-me muito que a principal preocupação do Ministério Público seja castigar o Rui Pinto e não investigar e apurar aquilo que Rui Pinto revelou.
Mas enquadrava-se bem nesta situação de delator premiado?
Suponho que poderia entrar-se nesse campo, sem dúvida nenhuma, porque acho muito esquisito que no meio de um caso de corrupção de tão grande monta, como é aquele que a Rui Pinto abriu a porta, denunciou, a grande preocupação da justiça não seja a corrupção, mas se o homem violou duas ou três coisas que a delação consubstancia. Quer dizer, há aqui uma inversão de valores em que o mais importante é proteger o corrupto.