Francisco alerta para "maior crise de refugiados" de África. "Ajudemos o Sudão do Sul"
04-02-2023 - 16:26
 • Aura Miguel, enviada da Renascença ao Sudão do Sul , Henrique Cunha , Inês Rocha

Num encontro com deslocados do Sudão do Sul, Francisco apelou com “todas as forças” para que “se faça cessar todo o conflito, e se retome seriamente o processo de paz”.

O Santo Padre afirma que “só com a paz, a estabilidade e a justiça poderá haver desenvolvimento e reintegração social” no Sudão do Sul.

Na tarde deste sábado, na Freedom Hall, em Juba, o Papa Francisco encontrou-se com os deslocados internos sul-sudaneses e renovou, "com todas as forças, o mais sentido apelo para que se faça cessar todo o conflito".

O Papa lembrou com tristeza que “um número enorme de crianças nascidas nos últimos anos só conheceu a realidade dos campos de deslocados”, para avisar que “não se pode esperar mais”.

"Não se pode esperar mais: um número enorme de crianças nascidas nos últimos anos só conheceu a realidade dos campos de deslocados, esquecendo-se do ambiente de casa, perdendo a ligação com a própria terra de origem, com as raízes, com as tradições.”

No país “onde perdura a maior crise de refugiados do continente, com pelo menos quatro milhões de desalojados, e com a desnutrição que afeta dois terços da população”, Francisco agradeceu toda a ajuda humanitária e reforçou a necessidade de se “evitar a marginalização de grupos e o levantamento de guetos dos seres humanos”. “Para todas estas carências, há necessidade de paz e da ajuda de muitos, de todos”, enfatizou.

O Santo Padre agradeceu os testemunhos que teve oportunidade de escutar de alguns deslocados; de pessoas com “as mãos vazias, mas com o coração cheio de fé” e garantiu que eles são “a semente dum novo Sudão do Sul”.

“Sois vós, de todas as etnias, vós que sofrestes e continuais a sofrer, mas não quereis responder ao mal com o mal. Vós, que desde agora escolhestes a fraternidade e o perdão, estais a cultivar um amanhã melhor”, acrescentou.

O Papa diz que eles serão “as árvores que absorverão a poluição de anos de violência e que restituirão o oxigénio da fraternidade”. E deixou mais um desafio: “Sede vós, jovens de diferentes etnias, as primeiras páginas desta narrativa! Se os conflitos, as violências e os ódios arrancaram das primeiras páginas de vida desta República as memórias boas, sede vós a escrever de novo a sua história de paz!”

E num apelo mais global, Francisco insistiu: “A todos peço, com o coração nas mãos: ajudemos o Sudão do Sul, não deixemos sozinha a sua população, que tanto sofreu e continua a sofrer!”.

O Papa terminou o seu discurso com um pensamento dirigido aos “muitos refugiados sul-sudaneses que se encontram fora do país e a quantos não conseguem reentrar porque o seu território foi ocupado”. Francisco declarou-se “solidário com eles” e disse esperar “que possam voltar a ser protagonistas do futuro da sua terra, contribuindo para o seu desenvolvimento de modo construtivo e pacifico”.

"A vida aqui não é boa. Não há espaço suficiente para jogar futebol"

Antes do discurso do Papa, três adolescentes testemunharam, perante Francisco, a dureza da sua vida nos campos de deslocados onde vivem com os pais, há vários anos.

”Sou cristão da Igreja Presbiteriana do Alto Nilo noroeste”, disse Joseph Lat Gatmai, com 16 anos. “Cheguei ao Campo de Proteção dos civis de Bentiu com os meus pais em maio de 2015 e vivo no campo há mais de oito anos. A minha vida neste campo não é agradável e preocupo-me como será no futuro e também o das outras crianças”.

O jovem desabafou como sobrevivem graças à ajuda humanitária e perguntou ao Papa: “Porque sofremos no campo de deslocados internos?”

Joseph deixou um apelo aos líderes da nação "para trazerem paz, amor, união e prosperidade duradouras ao nosso país. Peço a vós, nossos líderes religiosos, que continuem a rezar por uma paz definitiva no Sudão do Sul”, disse o rapaz perante o Papa.

Johnson Juma Alex pertence à Igreja episcopal do Sudão do Sul. Tem 14 anos e vive no bloco C, sector 2 do Campo de Malakal. “Estou na terceira classe (instrução primária), os meus pais não têm trabalho, mas um dos meus tios manda ajuda de Juba. A paz é boa, os problemas não”, diz Johnson.

“Queremos paz para que as pessoas possam voltar para a cidade de Malakal, para as suas casas. A vida aqui não é boa porque a área é pequena e sobrelotada. Não há espaço suficiente para jogar futebol. Muitas crianças não vão à escola porque não há professores e escolas suficientes para todos”.

O terceiro testemunho é de uma rapariga católica, Nyakuor Rebecca que vive no Campo de Juba. “Em nome das crianças do Sudão do Sul, quero agradecer a sua visita. Sabemos que é um bom guia porque, apesar do joelho dorido, veio para estar connosco, trazendo esperança e uma mensagem de paz”, disse a rapariga.

“Sabemos que ama as crianças e que diz sempre que somos importantes para o nosso país e para a Igreja. Papa Francisco, nós também gostamos muito de si. Obrigada pelo amor que tem por nós.”

E acrescentou: “em nome de Jesus, quero pedir-lhe que nos dê uma bênção especial para que todas as crianças do Sudão do Sul cresçam juntas em paz e amor.”

Mulheres são a "chave para mudar o país", diz Francisco

No início desta sessão, o Papa ouviu Sara Beysolow Nyanti, responsável pela missão humanitária das Nações Unidas no Sudão do Sul, relatar que, neste país, mais de dois milhões de pessoas estão deslocadas internamente e outros dois milhões estão refugiadas fora dele. O Sudão do Sul ocupa o quarto lugar na lista das crises de deslocados mais negligenciadas do mundo e também é responsável pela maior crise de refugiados em África.

“Níveis extremos de insegurança alimentar e desnutrição afetam dois terços da população do país. Esta situação faz do Sudão do Sul uma das piores emergências alimentares do mundo. Estima-se que em 2023 cerca de oito milhões de pessoas sofrerão com a crise alimentar”, afirmou a representante da ONU. E acrescentou ainda que o Sudão do Sul “continua a ser o contexto mais perigoso para os agentes humanitários, seguido pelo Afeganistão e a Síria”.

Francisco agradeceu de forma especial a Sara Beysolow Nyanti e subscreveu o que a responsável da ONU afirmou: "as mulheres são achave para transformar o país".

"A senhora e muitos outros não ficaram parados a estudar a situação, mas desceram em campo. A senhora percorreu o país, fixou nos olhos as mães, presenciando a tristeza que sentem pela situação dos filhos; fiquei impressionado quando afirmou que, apesar de tudo o que sofrem, nos seus rostos nunca se apagaram o sorriso e a esperança".

O Papa considerou que "se lhes forem concedidas as justas oportunidades" as mulheres "terão a capacidade de mudar a fisionomia do Sudão do Sul".

"Que a mulher seja protegida, respeitada, valorizada e honrada. Por favor, protegei, respeitai, valorizai e honrai toda a mulher, menina, adolescente, jovem, adulta, mãe, avó. Sem isso, não haverá futuro", afirmou.