Na internet não deve continuar a prevalecer a lei da selva. O que não é um apelo à censura, muito menos se ela for praticada pelos gestores das empresas tecnológicas. Cabe à política, e não às empresas, assegurar o bem comum.
Quem escreve na internet deverá sujeitar-se às condições jurídicas que não permitam atos que são considerados crimes nos media tradicionais.
Não há direitos absolutos. O direito à livre expressão também tem os seus limites. Se eu, numa destas crónicas, insultar ou difamar alguém, o visado poderá recorrer a um processo judicial contra mim.
Mas se a difamação ou o insulto surgirem em largas zonas da internet, o recurso à justiça será muito dificilmente viável, uma vez que o texto em causa pode aparecer assinado por um nome falso ou sem nome algum. É este o grande problema da liberdade de expressão nas redes sociais, problema que se encontra longe de estar resolvido.
Tem sido debatido o facto de, depois de Trump incentivar milhares de manifestantes a invadirem o Capitólio, onde funcionam as duas câmaras do Congresso federal dos EUA, grandes empresas tecnológicas, como a Apple, a Google, a Amazon, o Twitter, entre outras, terem decidido suspender as intervenções do então ainda presidente. Essas empresas silenciaram as suas mensagens alegadamente porque elas punham em causa a segurança das pessoas.
Muita gente respirou de alívio. Mas houve quem denunciasse aquela suspensão. Pacheco Pereira, por exemplo, que sempre considerou Trump um mentiroso compulsivo, não admite cortar a palavra a pessoas que profundamente lhe desagradam. E Francisco Teixeira da Mota, um advogado que trabalha muito na área do jornalismo, escreveu no “Público”: “a grande questão que se põe é saber se devem ser as grandes empresas tecnológicas a regular e a definir os limites da liberdade de expressão”.
No plano internacional, Merkel considerou “problemático” banir Trump do Twitter e de outras plataformas, no que foi acompanhada por – imagine-se! – Navalny, o corajoso opositor a Putin, que escapou à morte por envenenamento provocado pela polícia secreta russa e agora foi preso ao regressar ao seu país.
O semanário britânico “The Economist” considera que às empresas tecnológicas não cabe decidir sobre quem pode e quem não pode escrever na internet.
Essas empresas são hoje poderosíssimas em termos financeiros, havendo propostas na mesa para as partir. O “Economist” está contra dar direito de censura aos gestores dessas empresas privadas. Tem razão, porque cabe à política, e não às empresas, assegurar o bem comum.
Ao contrário do “Economist”, não acredito que uma maior concorrência poderá, por si só, responder cabalmente ao problema. Aumentar a competição numa área que tende para se concentrar cada vez mais seria útil, desde logo para os consumidores da internet.
Também não me parece aceitável uma censura na internet. Devem, sim, ser criadas as condições legislativas que não permitam na internet atos que são considerados crimes quando praticados nos media tradicionais.
Admito não ser tarefa fácil; e não dou palpites porque não sou grande conhecedor das tecnologias informáticas. Apenas me custa a assistir à destruição da democracia liberal resultante da desvalorização da verdade e da proliferação do discurso de ódio na internet.
Julgo que na internet não deve continuar a prevalecer a lei da selva. Sei que isso implica complicados acordos políticos nacionais e internacionais. Acordos que, por exemplo, forcem as empresas tecnológicas a revelar ao queixoso a identidade de quem ali coloca discursos de ódio, para que essas pessoas, assim identificadas, possam ser levadas a tribunal. Por uma questão de sanidade social.
Este conteúdo é feito no âmbito da parceria Renascença/Euranet Plus – Rede Europeia de Rádios. Veja todos os conteúdos Renascença/Euranet Plus