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Um grupo de investigadores portugueses encontrou fármacos que reduzem em 50% a forma como o vírus da Covid-19 se multiplica. Depois desta descoberta laboratorial falta a obtenção de uma patente e os testes em humanos para que o medicamento possa chegar ao mercado e ajude a reduzir o número de formas agressivas da doença.
A investigadora Cecília Arraiano lidera uma equipa do Instituto de Tecnologia Química e Biológica (ITQB) da Universidade Nova de Lisboa, em Oeiras, que tem como objetivo fazer com que a Covid-19 “fique muito menos grave e muito mais passageira”. “A nossa finalidade última é de que as pessoas não vão parar aos hospitais”, explica.
Descobriram como atuar sobre as enzimas responsáveis pelo replicar do vírus da Covid-19, fazendo com que estes “ficassem muito menos ativos”. Este grupo colaborou com cientistas do grupo de modelação molecular do ITQB NOVA liderado por Cláudio Soares e estes conseguiram fazer uma representação “robot” destas enzimas.
Depois, Margarida Saramago e Rute Matos da equipa de Cecilia Arraiano testaram em laboratório um conjunto de fármacos e viram que a enzima ficava muito menos atiao. Isto punha a hipótese de que o vírus “se conseguia dividir muito menos nas nossas células” quando eram utilizados aqueles medicamentos. Isso levou-as a colaborar com os virologistas Miguel Fevereiro e Margarida Henriques do Laboratório Nacional de Referência de Saúde Animal do INIAV também em Oeiras
Ao testarem esses fármacos na proteína responsável pelo replicar do vírus perceberam o resultado da multiplicação viral com e sem o uso da droga. “Com os fármacos que nós tínhamos identificado, o vírus só se replicava a 50%”, explica.
Este estudo já se encontra publicado numa revista científica internacional.
“Conseguimos transformar um lobo num cão. Conseguimos que esta doença possa ficar muito menos grave”, ilustra à Renascença a investigadora.
Mas voltemos ao início, em junho do ano passado, um grupo de investigadores do ITQB achou que seria útil olhar para as ribonucleases, enzimas que modelam a qualidade e a quantidade de RNA (moléculas que traduzem e regulam as expressões dos genes). Este é um trabalho em que estes cientistas são especialistas.
Um desses RNA's é o material genético do vírus Sars-Cov-2, que dá origem à doença Covid-19.
A ribonuclease que estudaram em pormenor é a Nsp14 viral para perceberem como conseguiam inativar e diminuir a sua atividade. E porque é que esta em específico é tão importante? “Porque é ela que consegue fazer a replicação do vírus quando está dentro da célula, e também é esta proteína que consegue simular que os RNA virais são iguais aos RNA das nossas células”, explica Cecília Arraiano.
Com esta “simulação”, o organismo de cada um de nós “não o ataca [o RNA do vírus] porque pensa que é o nosso próprio RNA”.
O passo seguinte foi estudar bem esta proteína para “ver se conseguimos diminuir a quantidade viral que existe em cada uma das nossas células, e torná-lo mais percetível para o ataque celular”.
Posteriormente, segundo explica Cecília Arraiano, “quisemos perceber se conseguíamos que o vírus ficasse mais fraco se usássemos fármacos dirigidos para esta ribonuclease viral”.
Os virologistas isolaram o vírus de pacientes portugueses que estavam com Covid-19 para aplicar os fármacos, e averiguaram se com eles conseguiam que o vírus se dividisse menos e ficasse mais fraco.
Descobriram quais os fármacos que inibiam mais a proteína responsável pela multiplicação do vírus, e os resultados laboratoriais mostraram que a diferença de reprodução do vírus reduzia 50% nas amostras com a atuação dos medicamentos.
“Agora estão a repetir-se esses estudos para o mais rápido possível fazermos uma patente e pô-la à disposição das farmacêuticas para saber se fazemos os estudos clínicos para poder utilizá-los”, anuncia a investigadora.
Em relação a prazos para que o fármaco esteja no mercado, Cecília Arraiano declara que a descoberta está feita, e assim que a patente for obtida “depende das farmacêuticas porem os nossos estudos em prática”. Pela experiência que houve nas vacinas da Covid-19, a cientista espera que possa ser o mais brevemente possível.
A investigadora ilustra, por comparação, o objetivo do trabalho que está a desenvolver. “Quando temos uma dor de cabeça temos a aspirina que não cura, mas torna os efeitos muito mais ligeiros. Se conseguirmos que os efeitos sejam altamente diminuídos, conseguimos que as pessoas não vão para o hospital, e que se reduza o número de mortes”, conclui.
Por fim, Cecília Arraiano lamenta que este tipo de investigações tenha escassos apoios financeiros, apenas contou com “capital semente” do instituto em que estes cientistas trabalham.
“Temos de ser compreendidos pela ciência e pelos fundos em Portugal para conseguirmos competir com os fundos que outros têm, noutros países”, remata.
Este projeto que decorreu durante nove meses fez-se com cinco mil euros.