Eutanásia aprovada. E agora?
20-02-2020 - 18:59
 • Eunice Lourenço

Referendo seria a única forma de travar a lei aprovada esta quinta-feira na generalidade.

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A Assembleia da República aprovou esta quinta-feira a legalização da eutanásia. Todos os cinco projetos de lei foram aprovados na generalidade, seguindo-se agora o processo legislativo em especialidade, na comissão de Assuntos Constitucionais.

A lei já está aprovada?

Foi aprovada na generalidade. Agora, é preciso fazer o trabalho na especialidade de afinação entre os projetos aprovados, de forma a alcançar um texto comum, que depois terá de ser aprovado na especialidade e em votação final global.

Há uma dificuldade objetiva para um texto de consenso entre todos os partidos que têm propostas: o PEV defende que a eutanásia só se possa realizar no serviço nacional de saúde (SNS), enquanto todos os outros projetos preveem que possa ser feita em estabelecimentos privados ou do setor social.

Quanto tempo vai demorar?

Não há prazos definidos. O trabalho na especialidade à volta de um processo legislativo pode demorar meses ou até anos. Contudo, o PS já manifestou desejo de terminar este processo até junho, de forma a que a lei vá a votação final global nesta sessão legislativa, ou seja antes das férias parlamentares.

E depois o que acontece?

Uma vez aprovada em votação final global, a lei segue para o Palácio de Belém para promulgação.

Que opções tem o Presidente?

O Presidente pode promulgar, vetar ou enviar para o Tribunal Constitucional para fiscalização preventiva. Marcelo tem recusado dizer o que fará.

Então o Presidente pode impedir que a lei entre em vigor?

Não. Se o Presidente usar o veto político – que consiste em reenviar a lei para o Parlamento, com ou sem mensagem a justificar o seu veto –, a Assembleia da República pode voltar a aprovar a lei tal e qual e, nesse caso, o Presidente é obrigado a promulgar. Se o Parlamento alterar o diploma depois do veto, o Presidente ainda pode voltar a vetar.

O constitucionalista Paulo Otero defende que o Presidente não pode ser obrigado a promulgar uma lei com a qual não concorda. Este entendimento, contudo, não é consensual. E em qualquer caso de impedimento do Presidente, ele será substituído pelo presidente da Assembleia da República.

E o Tribunal Constitucional?

Se o Tribunal Constitucional considerar que a lei é inconstitucional, o Parlamento terá de alterar a lei com base nas recomendações dos juízes. Contudo, haverá poucas hipóteses de isso acontecer. Segundo fontes contactadas pela Renascença, a maioria dos juízes será favorável ao entendimento de que a eutanásia não representa um problema de constitucionalidade. O atual presidente do Tribunal Constitucional, Costa Andrade, manifestou esse entendimento quando foi ouvido no Parlamento na anterior legislatura, antes de presidir àquele órgão.

Em causa, para quem defende a inconstitucionalidade da eutanásia, está o artigo 24.º da lei fundamental, que garante o direito à vida. O número 1 desse artigo diz “A vida humana é inviolável” e o número 2 garante que “em caso algum haverá pena de morte”.

Só o Presidente é que pode mandar para o Tribunal Constitucional?

Não. Mas só o Presidente é que pode pedir a fiscalização preventiva, ou seja a fiscalização antes de a lei entrar em vigor. Os deputados também podem pedir fiscalização constitucional, desde que o requerimento seja assinado por 23 parlamentares (um décimo do número total de deputados), mas só depois de a lei entrar em vigor. Chama-se fiscalização sucessiva. Na anterior legislatura, por duas vezes grupos de deputados pediram fiscalização sucessiva de leis que o Presidente não enviou para o Tribunal Constitucional e conseguiram que os juízes lhes dessem razão: nas normas sobre gestação de substituição (vulgarmente conhecida por lei das “barrigas de aluguer”) e na legislação sobre o acesso a metadados.

Quanto tempo demora o Tribunal Constitucional a decidir?

Se for fiscalização preventiva o prazo é de 25 dias, a não ser que o Presidente peça urgência. Para a fiscalização sucessiva não há prazo definido.

E pode ou não haver referendo?

Teoricamente pode, ainda que politicamente os sinais sejam de que não haverá. Está a correr uma iniciativa popular de referendo, que ainda está no processo de recolha das 60 mil assinaturas necessárias.

Então se forem recolhidas as 60 mil assinaturas terá de haver referendo?

Não. As 60 mil assinaturas só garantem que o pedido de referendo tem de ser discutido no Parlamento. Se forem conseguidas as assinaturas necessárias, a iniciativa toma a forma de projeto de resolução para ser discutida e votada na Assembleia da República. Os partidos da esquerda já disseram que não concordam com o referendo, mesmo o PCP que é contra a legalização da eutanásia. O CDS, ainda que não promova o referendo, já disse que vota a favor se a iniciativa chegar ao Parlamento. O PSD aprovou em congresso uma moção que vincula o partido e o grupo parlamentar à aprovação do referendo, mas a direção de Rui Rio ainda não garantiu que o irá fazer, remetendo qualquer decisão sobre o referendo para depois da votação dos projetos de lei.

Contudo, mesmo que o PSD venha a decidir votar a favor, se toda a esquerda votar contra, o referendo não será aprovado. Se for aprovada no Parlamento, a proposta de referendo – e concretamente a pergunta a fazer – ainda tem de ser aprovada pelo Tribunal Constitucional.

E o referendo pode "travar" a lei?

Pode. A proposta de referendo tem de ser uma lei já aprovada na generalidade para seguir em frente, mas uma vez aprovada a realização do referendo, o processo legislativo fica suspenso á espera do resultado da consulta popular. Se a consulta for no sentido da aprovação da lei, o processo segue o seu curso, se for de rejeição, termina e o entendimento político é que só pode ser retomado com novo referendo a realizar passados pelo menos 10 anos.