Matheus Pereira, antigo avançado de Sporting e Desportivo de Chaves, revelou a batalha com a depressão e um passado ligado ao consumo de drogas e álcool.
O avançado, hoje com 27 anos, chegou novo a Portugal e esteve dois anos a treinar ilegalmente, segundo o seu testemunho ao "The Players' Tribune". Chegou ao Sporting com 15 anos de idade, mas o divórcio entre os pais e a mudança para Alcochete abriram as portas aos vícios.
"Sem ninguém para olhar por mim ou explicar-me as coisas importantes, conheci um mundo sombrio, comecei a envolver-me com a bebida, mulheres e a fumar droga durante muito tempo. As companhias não eram as melhores", recorda na entrevista.
Matheus era o responsável por "enrolar a droga", mas um dia, na véspera de um jogo com o Benfica, decidiu não fumar.
"Enrolei droga, acenderam e foi girando. Ia jogar no dia seguinte contra o Benfica. Olhei para a droga e decidi que não ia fumar. Fui para o jogo, vencemos e estive bem. O médico chegou à minha beira e chamou-me ao antidoping. Naquela noite anterior, acho que o Espírito Santo sussurou ao meu ouvido. Se tivesse fumado, poderia não estar aqui hoje. A partir desse dia, larguei as drogas", recorda.
Seguiu-se um empréstimo ao Desportivo de Chaves, clube no qual Luís Castro teve uma grande importância para a promessa leonina. Até hoje trocam mensagens, mas nem tudo correu bem.
"Voltei a achar-me uma farsa e não tinha a menor hipótese de jogar bem assim. Um dia bati à porta do Luís Castro. Disse-lhe que estava rebelde de novo. Ele disse: "Miúdo, na vida, às vezes, quando a gente não consegue sozinho, tem que deixar outro nos guiar. Saí dali a achar que ele era maluco", disse.
Regressou ao Sporting após uma época de destaque na I Liga com oito golos e cinco assistências, mas nunca mais foi aposta: "Sabia que, se não trabalhasse, não valia a pena ficar agarrado ao rótulo de promessa".
Rumou ao Nuremberga, onde foi eleito um dos melhores jovens do campeonato, mas voltou a não ser integrado no plantel leonino. A rejeição e a saída para o West Bromwich Albion, em Inglaterra, foi novo "click" negativo para Matheus e a última vez que esteve associado ao Sporting.
"Desmoronei. Aquele peso, aquela sensação de que o mundo está contra nós, aquela dificuldade de respirar, aquela certeza de que você é um inútil. Eu só afundava. Não adiantava: era o jogador que pingava de um lado para o outro e não pegava em nenhum", acreditava.
Depois de duas épocas com 20 golos e 23 assistências, foi vendido por quase 20 milhões de euros ao Al-Hilal, da Arábia Saudita. Passou ainda pelo Al-Wahda, dos Emirados. Uma aposta certeira no aspeto financeiro, errada no plano pessoal.
"Não demorou para o declínio psicológico. Senti falta da minha igreja e a minha mulher fez o que pôde, mas não adiantava. Íamos a Portugal a cada folga, mas desabava quando voltava a Riade. Voltei a beber, e muito. Piorei e sentia-me culpado", lamenta.
Nos Emirados Árabes Unidos, tudo foi "escuridão e desespero". E tentou tirar a própria vida: "Estava cansado de lutar, queria livrar-me de tanto sofrimento que eu nem entendia de onde vinha. Havia noites que bebia três garrafas de vinho. Cheguei a treinar bêbado e a ser internado com hipocalemia. Não comia, só bebia álcool", disse.
"Um dia, abri a janela do nosso apartamento com vista espetacular e só não me atirei porque a minha esposa foi mais rápida. Agarrou-me, puxou-me e ficámos os dois juntos a chorar no chão da sala, sabendo que não era o meu fim, nem o do meu sofrimento", prosseguiu.
O regresso ao Brasil, pela porta do Cruzeiro, mudou-lhe a vida. Pelo meio, começou terapia e ponderou deixar o futebol, que considerava o culpado pela sua situação.
"Se podia dar certo, se havia alguma esperança, o Cruzeiro era o meu único caminho. Juntei as minhas coisas em Portugal e, ansioso, pela primeira vez fiz uma grande mudança por livre e espontânea vontade. Reencontrei mais do que paz. Espero que este meu testemunho possa ajudar outras pessoas que estão sofrendo. Hoje eu estou bem, melhor do que antes. E ainda tenho coisas para resolver e curar", termina.