O ex-juiz do Tribunal Constitucional explica que a proposta do PSD é que no artigo 19 da CRP, relativo à suspensão do exercício de direitos, se inclua o estado de emergência sanitária, mas não sujeito ao prazo máximo de 15 dias previsto para a declaração de estado de sítio ou de emergência. Paulo Mota Pinto argumenta que a experiência da pandemia demonstrou que esse prazo “é manifestamente desadequado e insuficiente para crises de saúde pública”.
O Bastonário da Ordem dos Advogados não vê mérito na ideia . E considera mesmo que o projeto de revisão constitucional do PSD vem dar respaldo constitucional a uma “deriva autoritária” do Governo que tudo decide, pondo em causa princípios e direitos constitucionalmente garantidos e sem que o parlamento tenha qualquer intervenção. Menezes Leitão defende também que o projeto de revisão constitucional do PSD surge num momento inadequado .” Se há coisa de que não precisávamos neste momento é de uma revisão constitucional. Até porque o artigo 289 diz que não se podem fazer revisões constitucionais no estado de emergência. Já não estamos no estado de emergência. Mas estivemos há poucos meses. E não sabemos se não vamos voltar a estar. E portanto não é neste intervalo que surgem propostas de revisão constitucional”, argumenta Luís Menezes Leitão.
Paulo Mota Pinto contesta que haja uma deriva autoritária. Diz que é “uma ideia sem qualquer fundamento”. Pelo contrário, diz que há na proposta social-democrata vários aspetos em que há “um reforço das garantias para os cidadãos”, citando como exemplos, em matéria de direitos liberdades e garantias, a redução para 24 horas (em vez de 48) do tempo máximo de detenção, para primeiro interrogatório judicial , a redução do prazo de decisão de” habeas corpus” de 8 para 5 dias ou a permissão constitucional da consagração por via legislativa do recurso de amparo; um mecanismo permite a um particular sindicar a violação dos seus direitos e liberdades fundamentais. Funciona, então, como a última instância de proteção de direitos fundamentais perante o Tribunal Constitucional, na hipótese de estes não terem sido suficientemente protegidos pela justiça ordinária.
Sobre o momento em que o projeto de revisão constitucional do PSD é apresentado, Paulo Mota Pinto recorda que o partido “tinha assumido apresentar um projeto até ao final desta sessão legislativa. E ele está pronto. O PSD entendeu no entanto dar a conhecer por agora apenas os destaques ,deixando para mais tarde a entrega do texto completo na AR, até porque agora os trabalhos não avançariam por causa das férias parlamentares”. O presidente da Mesa do Congresso do PSD diz que “logo a seguir às eleições autárquicas, quando o debate político já não estiver influenciado pelo calendário eleitoral, será do nosso ponto de vista o momento adequado”. Paulo Mota Pinto concluiu que “ passaram 24 anos sobre a última revisão” profunda da Constituição.
O professor da faculdade de Direito de Lisboa Jorge Reis Novais entende que a revisão constitucional devia ter sido feita “mais cedo” ,logo a seguir aos primeiros estados de emergência, para suprir a lacuna que existe em matéria de confinamento e internamento compulsivo, fora do estado de emergência, que é outra das mudanças propostas pelos social-democratas .”Nós agora não estamos perante essa necessidade. Mas poderemos vir eventualmente a estar, se o vírus evoluir de formas que desconhecemos agora”, argumenta.” E nessa altura a única forma possível de voltarmos ao confinamento obrigatório é decretando o estado de emergência, o que não faz sentido”.
O constitucionalista já “não vê necessidade “de colocar na Constituição o estado de emergência sanitário .”É necessária sim uma lei ordinária”, diz Jorge Reis Novais, ”mas que pode ser feita em qualquer altura e só não foi feita porque os partidos políticos não quiseram”. Tal como o Bastonário da Ordem dos Advogados considera que “tem havido um esvaziamento da Assembleia da República “ em todas as questões relativas à pandemia. “Tudo se discute nas reuniões do Infarmed, quando se devia discutir na AR”, defende Jorge Reis Novais.
Reis Novais considera positiva a proposta do PSD de dar previsão constitucional ao confinamento ou internamento de pessoa com grave doença contagiosa, se necessária por razões de saúde pública, mesmo sem decisão judicial. E acha que a iniciativa social-democrata deve também ser acompanhada em relação a outra alteração proposta ,em matéria de direitos fundamentais- a possibilidade de obtenção de metadados de comunicações para fins de informações da República ,designadamente prevenção de terrorismo, mediante decisão judicial.
Sobre o recursos de amparo, tanto Jorge Reis Novais como o Bastonário da Ordem dos Advogados estão a favor da sua previsão constitucional . Mas Menezes Leitão afirma que o instituto “não servirá de nada, se não houver uma redução drástica das custas judiciais”. Já Jorge Reis Novais ”não concorda com os termos em que é proposto pelo PSD, que se limita a acrescentar ao que já existe a possibilidade de os cidadãos poderem recorrer diretamente ao Tribunal Constitucional.
Numa apreciação mais geral, Jorge Reis Novais defendeu que o projeto de revisão constitucional do PSD tem ideias que” ou são supérfluas ou não ajudam muito”; o que irá originar que “em vez do prometido encurtamento da Constituição, haja antes um alongamento”. Argumento contestado por Paulo Mota Pinto, segundo o qual essa ideia pode resultar pelo facto de o debate do programa se ter centrado nas propostas de alterações à Constituição ,em matéria de princípios e direitos” e não ter abordado outras questões como a organização económica, onde o PSD quer suprimir vários artigos.
Pela impossibilidade de discutir todas as 50 propostas de alteração à Constituição feitas pelo PSD, o Em Nome da Lei concentrou a discussão nos princípios e direitos. No entanto, Jorge Reis Novais não deixou de “se mostrar surpreendido com a falta da figura da moção de censura construtiva ,lacuna tanto mais incompreensível quanto é apresentada por um partido que para ser maioria teria de fazer uma coligação com o Chega”. O Constitucionalista recorda que “foi uma ideia lançada por Sá Carneiro e foi depois abandonada pelo PSD e eu não percebo como é que ela não retorna.É uma grande falha deste projeto”, conclui.
O programa Em Nome da lei é emitido aos sábados ao meio dia e repetido à meia noite.