O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) considerou hoje que "não se vê fim à vista para o caos jurídico" gerado pela declaração de inconstitucionalidade da lei dos metadados.
O presidente do SMMP, Adão Carvalho, falava à Lusa a propósito da decisão do Tribunal da Relação de Évora (TRE) de ter declarado hoje nulo o acórdão do julgamento do processo de Tancos, que em janeiro de 2022 condenou 11 dos 23 arguidos.
Segundo o acórdão do TRE, a que a Lusa teve acesso, os juízes desembargadores decidiram "declarar a nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia, e determinar que o Tribunal de 1.ª Instância [Santarém] se pronuncie sobre a incompetência funcional e material do Juiz de Instrução Criminal e a violação do princípio constitucional do juiz natural".
Foi também declarada a nulidade da utilização de prova obtida através de metadados, considerando que os factos dados como provados em muitos pontos do processo se encontram irremediavelmente afetados e devem ser reequacionados.
Embora diga desconhecer os fundamentos do acórdão, designadamente quanto à nulidade de prova obtida a partir dos metadados, Adão Carvalho disse que "é mais um caso neste caos de incerteza na interpretação" do acórdão do Tribunal Constitucional (TC).
O TC declarou a inconstitucionalidade de algumas normas que determinam a conservação, pelos fornecedores de serviços de telecomunicações e comunicações eletrónicas, de todos os dados de tráfego e de localização relativos a todas as comunicações (metadados) ou sua tentativa, pelo período de um ano, com vista à sua eventual futura utilização para prevenção, investigação e repressão de crimes graves.
Para o presidente do SMMP, "se antes já era difícil, agora a tarefa dos aplicadores do direito ficou ainda mais dificultada com o acórdão [do TC]".
Segundo Adão Carvalho, depois do acórdão do TC, as questões da utilização probatória dos metadados, quer sobre a validade de prova já produzida, quer na aferição da sua admissibilidade de produção, "passaram a ser recorrentes nas várias fases do processo criminal, desde o inquérito ao julgamento, ao nível dos recursos ordinários ou de revisão, geradoras de várias interpretações e decisões díspares, que nada contribuem para auxiliar o aplicador do direito na resolução dos casos concretos".
Por outro lado, lamentou, as iniciativas legislativas apresentadas na Assembleia da República em julho de 2022 para tentar resolver alguns dos problemas criados, "não conheceram desenvolvimentos".
A este propósito, lembrou que, com a abertura do processo de revisão constitucional foram apresentadas por três grupos parlamentares propostas sobre questões de acesso aos metadados das telecomunicações, "sendo que os dois com condições para garantir a alteração constitucional apenas propunham alterações para permitir o acesso a esses dados pelos serviços de informações".
"Em suma, não se vê fim à vista para o caos jurídico gerado", insistiu.
Adão Carvalho disse ser "aberrante, em termos de proporcionalidade entre direitos constitucionalmente consagrados, que os fornecedores de telecomunicações possam preservar os metadados para efeito de cobrança aos seus clientes das dívidas geradas pelo seu uso e fique vedado o acesso e conservação dos mesmos, pelas autoridades judiciárias, para efeito de investigação de crimes graves ou mesmo para acudir, em tempo útil, de forma a salvar a vida de uma pessoa perante uma situação de perigo em que a mesma se encontra".
O dirigente sindical esclareceu que agora "compete ao tribunal de recurso decidir se o processo (Tancos) deve ser na sua totalidade julgado de novo e, nesse caso, ser objeto de novo julgamento ou se a descida à primeira instância se limita apenas a parte, como sejam, a questões concretas enunciadas pelo tribunal na sua decisão".
O processo do furto e recuperação de material militar dos Paióis Nacionais de Tancos (PNT) tinha terminado com os autores materiais a receberem prisão efetiva. .
Foram condenados a penas de prisão efetivas o autor confesso do furto, João Paulino, com a pena mais grave, e os dois homens que o ajudaram a retirar o material militar dos PNT na noite de 28 de junho de 2017, João Pais e Hugo Santos.
O furto das armas foi divulgado pelo Exército em 29 de junho de 2017 com a indicação de que ocorrera no dia anterior, tendo a recuperação de algum material sido feita na região da Chamusca, Santarém, em outubro de 2017, numa operação que envolveu a PJM em colaboração com elementos da GNR de Loulé.
O processo levou à demissão do então ministro da Defesa, Azeredo Lopes, que chegou a ser acusado, tendo sido ilibado de responsabilidades em fase de julgamento.