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A crise dos refugiados tem estado afastada das manchetes dos jornais, mas não está resolvida, antes pelo contrário, agravou-se. A solução do Banco Mundial tem passado pela constituição de infraestruturas de base, às vezes cidades novas, com a preocupação de evitar guetos.
Nesta entrevista à Renascença a vice-presidente do Banco Mundial, Manuela Ferro, fala do trabalho da organização nesta área, mas também aborda o uso dado às novas tecnologias para combater a pobreza e a ascensão da China como potência económica.
Os refugiados deixaram as primeiras páginas dos jornais, mas ainda são uma prioridade para organizações como o Banco Mundial? O que está a ser feito?
Nós estamos a trabalhar imenso sobre essa área. Porque é um problema que pensámos que ia ser reduzido, mas, no fundo está a aumentar, criando pressões muito grandes nas comunidades que têm muitos refugiados. Por exemplo, o Líbano e a Jordânia, têm milhões de refugiados no país que, se não forem apoiados, comunidades e refugiados, pode haver uma situação de alienação e dificuldade de integração, o que vai dificultar a vida de milhões de famílias, que estão numa situação muito precária.
Aquilo que fazemos agora é criar condições para o retorno dos refugiados, quando é possível. Quando não é possível, criar condições para que, gradualmente, se integrem nas sociedades de acolhimento. Essas condições de integração têm, necessariamente, que beneficiar também as comunidades que os recebem, porque senão há uma rejeição dos refugiados, que do ponto de vista social é muito difícil.
Muitas vezes há necessidade de integrá-los, não só economicamente, mas também culturalmente. Esse trabalho está a aumentar imenso no Banco Mundial, principalmente no Médio Oriente, mas também agora no Bangladesh, com os refugiados que vêm do Myanmar.
Qual é o lado mais difícil desses processos de integração?
Há vários. Os refugiados são comunidades que vêm muito traumatizadas da experiência que sofreram, há muitas vezes dificuldades culturais, até de aceitação, são pessoas que vieram de fora e há dificuldades de integração no mercado de trabalho. Muitos desses programas de integração passam também por dar competências e equipá-los com áreas de potenciais empregos, de curto prazo, para começar a facilitar e criar relações de trabalho com as comunidades. Essa é a parte mais difícil. A parte inicial é a parte que as Nações Unidas fazem muito bem. A parte de integração económica e social é a que leva mais tempo, mas temos algum sucesso nesse trabalho.
Têm também situações de recolocação, necessidade de os transferir para outras zonas?
Aquilo que fazemos é muitas vezes trabalhar com os governos das comunidades que os acolhem, para criar a infraestrutura de base para o estabelecimento de cidades, comunidades, que são mistas, não são apenas de refugiados, para não criar uma situação de guetos. Tudo isso passa por infraestruturas, estradas, escolas, hospitais, centros de saúde, mas também centros sociais, centros culturais e oportunidades para as comunidades se misturarem.
Por vezes criam-se cidades novas, criam-se partes da economia que também são muito dinâmicas, porque os refugiados são pessoas que querem trabalhar, querem integrar-se, querem fazer uma vida nova. Embora haja dificuldades, o nosso trabalho tem tido algum sucesso nessa área.
Que efeitos pode ter no comércio mundial o aumento da China como um poder económico? Isto pode agravar as desigualdades no país?
Todos os países que têm crescido rapidamente têm visto a desigualdade económica aumentar, não porque os pobres ficam mais pobres, mas porque os ricos ficam mais ricos. Isso não é exclusivo da China, existe no mundo inteiro, existiu sempre.
Na verdade, a redução da pobreza mundial que vimos nos últimos 20 anos é, sobretudo, por causa do que está a acontecer na China, mas também na India. Em ambos os países a redução da pobreza tem sido enorme, algo pelo que nos devemos regozijar.
Ora, a verdade é que a China vai começar a ter os problemas que todos os países de rendimento médio têm: desigualdades entre o interior e a costa, entre o norte e o sul, entre as pessoas com mais e menos formação técnica. A China já está a começar a ter esses problemas, como todos os países, mas claro é um país grande.
Quando pensa numa sociedade como a nossa, como as sociedades europeias, como as sociedades americanas que estão a começar a envelhecer, de onde virá a procura global?
Dos países como o Brasil, a Índia, os países emergentes. Todos precisamos desses países fortes, não fracos, são eles que vão comprar os nossos produtos, são eles que vão criar emprego, lá e cá. Acredito que isso é mais uma oportunidade e menos uma coisa a temer ou recear.
Como é que as novas tecnologias podem ajudar o Banco Mundial a fazer um trabalho ainda melhor?
Nós usamos muito as novas tecnologias, ajudam-nos imenso. Dou-lhe dois exemplos. No Haiti, quando houve um terramoto enorme, aqui há uns anos, na primeira parte, tudo quanto foi feito de ver quais foram os estragos e os danos causados pelo terramoto, já foi feito com drones. Muita da informação que recebemos sobre a prestação dos nossos projectos na Índia, em África, chega muitas vezes através dos cidadãos beneficiários dos projectos, por Whatsapp ou mensagem de texto. Financiamos muito ou apoiamos empresas que financiam cidadãos através de telemóveis.
Quando trabalhamos com países com um rendimento per capita muito baixo a tecnologia permite, às vezes, fazer o que chamam de “leap frog”, saltar fases de desenvolvimento. A Índia, por exemplo, foi de uma situação de pobreza extrema a uma grande potencia em tecnologia, com uma aposta na educação, universidades fortes, infraestrutura de base. Estamos a utilizar essa ferramenta nos nossos projectos, na medida do possível, e temos esperança que nos vai ajudar, como motor de desenvolvimento e para eliminar a pobreza.