Seis tendas instaladas frente à bancada do pavilhão, onde estão dezenas de camas de campanha, fazem o acolhimento, a partir das 18h00, dos interessados em pernoitar no Casal Vistoso, em Lisboa.
Cobertores e almofadas de utilização única, cuidadosamente embrulhadas em plástico, são deixados por alguns elementos da Cruz Vermelha nas camas de campanha que estão a ser preparadas para a próxima noite. No topo da primeira fila, vários aquecedores a gás, para ajudar a diminuir o frio. E uma zona de refeições, onde os que ainda por ali estão tomam o pequeno-almoço, rematado com uma bebida quente.
No pavilhão, com cerca de uma centena de camas montadas, estão equipas do Serviço Municipal de Proteção Civil de Lisboa, dos Médicos do Mundo e funcionários da Junta de Freguesia, da Cruz Vermelha Portuguesa e da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Na rua, as equipas técnicas, que por estes dias os encaminham para esta resposta de emergência, devido ao frio.
Desde o primeiro dia, a passada terça-feira, que o número de pessoas que ali chegam tem vindo a aumentar.
"Hoje, tivemos 77 atendimentos. Destas, 68 pessoas pernoitaram aqui e as restantes foram encaminhadas para outras soluções da cidade de Lisboa", explica Paulo Santos, coordenador do Núcleo de Planeamento e Intervenção Sem-Abrigo (NPISA). Na véspera, tinham sido 44 a procurar um teto, sendo que 33 passaram ali a noite. Os restantes foram encaminhados para outras entidades que também dão resposta nestas situações.
"Ao longo dos últimos anos, a grande diferença que se nota é o facto de haver mais imigrantes e pessoas mais novas", sublinha Paulo Santos, explicando que os imigrantes "têm um contexto próprio, já que os desafios são outros e há um processo de regularização por trás, que não depende da administração local".
Por isso, estão envoltos em processos que demoram mais tempo do que uma pessoa em situação de sem-abrigo. Claro que para estes, mas sobretudo para todos os outros, há um objetivo: que consigam reerguer as suas vidas e saiam das ruas.
Aqui, o coordenador do NPISA diz existirem muitas respostas a longo prazo, ou não estivessem em Lisboa dois terços da resposta do país nesta área.
Uma das respostas que tem mais sucesso, e que é um exemplo a nível internacional, é o programa "Housing First", que tem como objetivo atribuir habitação social a pessoas em condição de sem-abrigo. Em vez de tentar resolver o problema através de centros de acolhimento, fornece-se alojamento permanente a quem dele precisa.
"Pelo menos 90 por cento das pessoas que entram no programa Housing First não regressam á rua", refere Paulo Santos, sublinhando, contudo, que "ainda há muito por fazer” nesta matéria.
Atento á conversa está Stanley Fhatima, que passou a noite numa das camas do recinto. Um jovem indiano que não aparenta ser um sem-abrigo tradicional, já que consigo tem apenas uma mochila com os seus pertences e a roupa que traz no corpo. Educadamente, aproxima-se e diz que quer contar a sua história.
Veio para Portugal em finais de 2022, para trabalhar na agricultura em Beja. Foi enganado pelo patrão, que ao invés de um ordenado lhe dava uma cama e um teto para dormir. Foi para outra exploração agrícola onde o ordenado que sobrava, depois de pagar casa, água, luz e comida, ficava apenas com cerca de cem euros.
Mudou de ares e de região. Foi trabalhar para uma residencial, central nas Caldas da Rainha. E depois de algumas semanas de trabalho, nem um cêntimo lhe foi pago. Como se isso não chegasse, ainda foi insultado e ofendido pelo patrão, que lhe dirigiu "palavras feias e impróprias".
Aguarda agora que a Autoridade para as Condições de Trabalho dê seguimento a uma queixa por ele apresentada contra os proprietários da residencial. Até que isso aconteça, queixa-se.
"Não há sistema neste país. Há patrões a enganar os imigrantes, sobretudo asiáticos. Mas o governo não quer saber".
Em Lisboa estão referenciadas mais de 3.000 pessoas em situação de sem-abrigo, mas apenas cerca de 400 vivem sem teto, na situação de sem-abrigo.