Carlos Miroto tem 70 anos, 56 dos quais a viver em Moçambique. O ciclone destruiu-lhe o negócio que tinha. Este domingo, regressa a Portugal, em princípio, só para fazer exames médicos.
“Tenho de ir ver da minha saúde, porque tenho problemas graves cardíacos, mas tenho de voltar mesmo, porque a minha vida está aqui”, diz à Renascença.
Em Portugal já não tem nada. A casa que tinha em Santa Comba Dão ardeu nos grandes incêndios de 2017. “Foi tudo com as chamas. E quando lá cheguei à procura de algum apoio disseram-me 'não, não, o senhor não é residente aqui'”, conta.
“Ardeu-me a casa dos meus falecidos pais, ardeu tudo quanto era eucaliptais, pinhais, tudo, desapareceu tudo”, lembra.
Agora veio o ciclone Idai que lhe destruiu a serração. “Só vem uma desgraça a confirmar a outra. Nestes 50 e tal anos em que ando aqui a trabalhar, nunca me vi tão desesperado, tão abandonado como estou neste momento”, admite.
Resignado, Carlos Miroto diz que “temos de aceitar aquilo que a vida nos reserva” e garante: “estou pronto para aguentar ainda mais outra desgraça que venha”.
“Vamos ver o que vem de bom agora a seguir para nos compensar um pouco”, acrescenta.
Do grupo de sete portugueses que neste domingo regressa a Portugal faz também parte Carlos Trindade. À Renascença conta que ficou sem nada.
"Fui assaltado, roubaram-me tudo, não tenho dinheiro, não tenho nada e sofro de diabetes. Tenho de me ir embora, tenho de restabelecer a minha vida em Portugal e depois logo se vê", afirma. Mas espera regressar daqui a seis meses, depois de tratar da saúde.
O grupo de portugueses que regressa a Portugal é constituído por cinco homens, uma mulher e um jovem de 15 anos, segundo o secretário de Estado das Comunidades, José Luís Carneiro. Na sua maioria, pessoas com problemas de saúde ou que perderam todos os bens durante o ciclone.
Numa reunião com a comunidade portuguesa, José Luís Carneiro adiantou que, dos 93 portugueses que estavam por contactar na sequência do ciclone, 12 ainda não foram contactados. E especificou um português de Buzi, das zonas mais afetadas: José Arsénio da Fonseca.
Em declarações à Renascença, o português Carlos Matos, do Programa Alimentar Mundial (PAM), afirma que “o sistema de alerta de aviso prévio do Governo funcionou, o que pode ter reduzido o número de vítimas desta catástrofe”.
O funcionário humanitário destaca o facto de a Estrada Nacional 6, a mais importante via rodoviária da região, ter sido reaberta, o que permitirá a chegada de bens por via terrestre e a circulação de pessoas.
“As pessoas são importantes, mas os bens é que garantem o funcionamento dos mercados e coisas para as pessoas comprarem, porque as pessoas ainda têm o seu dinheiro. A maior parte das pessoas tem as suas poupanças. Os bancos têm que começar a funcionar, a vida começar a ir ao normal, as pessoas irem aos seus trabalhos e terem coisas para comprar porque, senão, vamos ter que assistir 600 mil pessoas só na beira, portanto a reabertura desta estrada é muito importante”, sublinha Carlos Matos, do Programa Alimentar Mundial (PAM).
O Idai e as cheias que se seguiram provocaram, até agora, 446 mortes. Em centros de acolhimento estão mais de 109.000 pessoas, segundo os últimos dados.
A viagem do aeroporto ao centro da cidade da Beira confirma tudo o que se ouve e vê nas notícias.
As águas subiram, há zonas parcialmente inundadas, muitas árvores arrancadas pela raiz – algumas delas árvores centenárias, com raízes do tamanho de camiões – tombadas à beira das estradas.
Visível é também toda uma mobilização em termos de ajuda internacional para acudir as vítimas. No aeroporto da Beira, estão 22 meios aéreos de vários países, desde helicópteros a aviões de reconhecimento, que este domingo têm estado numa “lufa lufa” desde manhã bem cedo, a percorrer as zonas afetadas pelas cheias.
Não muito longe, há uma zona com 300 quilómetros de perímetro em que nasceu um lago com há várias 'ilhas' – terrenos mais elevados onde ainda há muitas pessoas a precisar de ajuda, não só alimentar como médica.
Mas muitas destas pessoas, apesar da situação a que se sujeitam neste momento, a não pretendem sair dali. É ali que têm ali os seus bens, as suas casas. Por isso, querem é ter ajuda, que vai chegando aos poucos.
[notícia atualizada às 19h04]