Nova missão na República Centro-Africana: “Só temos de combater como treinámos”
30-05-2023 - 23:00
 • Liliana Monteiro

A 13.ª Força de Reação Rápida de Portugal parte em missão integrada nas Nações Unidas para garantir a segurança e a paz. Mais de duas centenas de militares vão para Bangui, onde vão estar contacto com a população e ajudar a resolver problemas das forças de outros países que também estão no terreno.

Têm o estandarte nacional em mãos desde o passado dia 3 de maio, foi-lhes entregue em mãos pelo chefe de Estado Maior do Exército (CEME), o general Eduardo Mendes Ferrão. Na madrugada de quarta para quinta-feira, partem para a República Centro-Africana (RCA), para uma missão integrada nas Nações Unidas, com o objetivo de dar ao povo paz e garantir segurança.

Desde que o início do aprontamento até entrarem no avião para a viagem ao coração de África, passaram seis meses de muitos treinos e vários exercícios, que procuraram preparar 215 militares (206 homens e nove mulheres) para um terreno instável e que traz, por vezes, surpresas.

“Naquele território ireis encontrar dificuldades desconhecidas, um contexto exigente, desafios individuais e coletivos, deveis prestar atenção aos detalhes e seguir procedimentos, uma cultura de segurança e cultivar a coesão, espírito solidário e empatia com o povo, são fatores essenciais para superar momentos mais exigentes”, aconselhou o chefe de Estado Maior do Exército, aquando da entrega do estandarte.

A 13ª QRF/Minusca é comandada pelo tenente-coronel Ricardo Camilo, para quem estas missões não são uma novidade. “Temos conhecimento acumulado e conhecemos o teatro de operações. Treinámos desde a fase individual até ao exercício com toda a companhia por inteiro. Fizemos vários exercícios de preparação”, explica.

Os militares portugueses vão ficar na capital Bangui, perto do aeroporto, numa posição de reserva. “Somos chamados quando algo não está bem, quando as forças das Nações Unidas nos seus setores não conseguem resolver os seus problemas e é para isso mesmo que treinamos, para resolver problemas e situações complicadas”, refere o comandante.

O tenente-coronel Ricardo Camilo diz que estar na reserva não significa que os militares estejam parados sem nada fazer, sublinhando que têm de se manter em prontidão, realizando exercícios, fazendo contacto com a população, patrulhas entre outras ações previstas num país extremamente pobre.

“Um terço da força é constituída por oficiais, sargentos e praças, que têm já experiência, e outros dois terços são sangue novo”, adianta Ricardo Camilo, que acredita, por isso, que há um equilíbrio na força que agora segue viagem: “Treinámos como vamos combater, só temos de combater como treinámos”, destaca.

“Pobreza e diferença de civilizações”

Filipe Teixeira é primeiro cabo e participa pela segunda vez numa missão na RCA. “Ajudamos num pouco de tudo, desde apoio direto à população, entrega de material escolar, fazemos patrulhas, apoio nas aldeia e nas cidades. No fundo, garantir liberdade de movimentos para que possam fazer uma vida normal”, refere o militar, que na primeira missão ficou chocado com a pobreza e diferença de civilizações.

A tenente Adriana é enfermeira e integra também pela segunda vez uma missão deste tipo. “Vamos preparados para muito trabalho, mas se o módulo sanitário não trabalhar muito é bom sinal”, afirma. A unidade hospitalar no terreno presta cuidados em várias áreas como estomatologia, oftalmologia, cirurgia, cuidados intensivos e "até podem ajudar a população em algum cuidado clinico necessário”.

O primeiro sargento Ricardo Salgueiro já passou pelo Kosovo e Afeganistão, vai preparado tanto para dar apoio humanitário como para o combate caso ele surja: “Cada teatro é um teatro e todos os dias são diferentes, vão testar a nossa capacidade”. O militar sublinha que a preparação psicológica de cada um dos homens é fundamental: “Quero levá-los, mas trazê-los todos de volta também”.

O tenente de infantaria Paulo Sabino tem 28 anos e esta missão na RCA também não é nova. “Apesar de já lá ter estado, o teatro é muito instável e cada missão é diferente e isso exige um elevado nível de prontidão”. Questionado sobre o que vai custar mais durante esta missão, revela que será, sem dúvida, a distância da família e a ausência em momentos-chave familiares.

É com orgulho que o CEME e comandante da Força garantem ter uma unidade “preparada e pronta para desafios, corajosos, experientes e treinados para lidar num ambiente volátil, complexo ambíguo e urbano”.

Contingente composto por 215 militares

Ao todo, integram a missão portuguesa 215 militares, destes 209 são do Exército, quatro da Força Aérea e dois da Marinha. Um contingente que constitui a 121.ª força a ser projetada pelo Exército num caminho iniciado há 30 anos com 32 mil militares projetados, até ao momento, num esforço do país em ajudar a garantir a paz.

A República Centro-Africana mergulhou, entre 2004 e 2007, numa guerra civil que viria a ser o embrião do conflito de hoje. Em 2013 enfrentou um golpe de Estado que depôs o Presidente François Bozizé.

As tensões escalaram progressivamente e a lei e ordem públicas ficaram comprometidas. Está instalada a violência entre grupos muçulmanos e milícias cristãs.

De acordo com as Nações Unidas, a violência obrigou à fuga de mais de 600 mil pessoas, ficando os habitantes do país a viver na pobreza extrema.

A intervenção das Nações Unidas e as recentes eleições de 2020 são uma nova esperança para a renovação da República Centro-Africana, localizada no coração de África, sem acesso ao mar, isolada e na miséria.