O Presidente da República admitiu esta terça-feira, em reação às conclusões do relatório da comissão independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças, que o número de vítimas ultrapassou aquilo que se tinha pensado inicialmente. "Este número é bem superior ao número anterior e, para o tempo em que trabalhou a comissão, isso significa que pode ainda ser apenas uma parte do fenómeno e não todo o fenómeno."
Marcelo Rebelo de Sousa defende que a forma como a sociedade vai reagir às conclusões do relatório vão "depender da reação da Igreja" Portuguesa, a quem cabe começar a pensar em mudar de vida.
"Em muitos países as igrejas nacionais tiveram a iniciativa de enfrentar o fenómeno e de agir rapida e exemplarmente. E o resultado foi um na visão que a sociedade tinha e tem da Igreja. Noutros países demorou muito tempo. Resistiram a mudar, demoraram muito tempo a proceder àquilo que é uma revisão de vida... e a visão foi completamente outra", explica.
"É uma reflexão que a Igreja terá de fazer", reforça. "A igreja, enquanto instituição, tem de repensar a sua atuação no futuro", salienta.
Falando de eventuais indemnizações às vítimas, Marcelo diz que a Igreja tem "um dever ético de responder, de se responsabilizar" e que esse dever "foi ontem assumido", embora defenda que se deve "esperar pela posição da Igreja".
Relatório deve servir de "estímulo para o futuro"
Quanto à prescrição dos crimes de abuso sexual, Marcelo relembra que "há posições muito diferentes" quanto ao potencial alargamento de prazos no Código Penal.
"Penso que é um debate que, depois do balanço feito por todos, a Assembleia da República, o próprio Governo poderão desencadear. Não me queria antecipar a essa matéria", declarou aos jornalistas, embora diga estar em "total sintonia" com o proposto pela Comissão Independente.
Sobre a proposta de se criar uma outra comissão para acompanhar o problema dos abusos sexuais de menores, Marcelo Rebelo de Sousa concorda com a ideia, até porque, diz, este não é um fenómeno exclusivamente clerical.
"A Comissão chamou a atenção para o facto de terem a noção de que, na sociedade portuguesa, existia e, porventura, existe ainda, uma ideia de impunidade ou de não denúncia, em atividades muito variadas", refere. "Desportivas, de lazer, ligadas a outras instituições... Essa cultura cívica é fundamental que seja ultrapassada", defende.
Nesse sentido, "uma comissão ligada ao Estado tem um espaço de manobra que não tem uma comissão ligada apenas a uma instituição religiosa". No entanto, não se quer "antecipar nesta matéria".
Finalmente, espera que o próprio relatório sirva de "estímulo para o futuro. Para haver mais", numa espécie de "incentivo objetivo à denúncia". "Um dos problemas que a comissão enfrentou, e que a sociedade enfrenta, é a cultura dominante de segredo, de medo, de não denúncia", refere, esperando que, a partir de agora, seja mais "natural uma intervenção cívica de controlo, de censura e de denúncia". "Isso é um passo cultural muito importante numa sociedade muito fechada, com muito temor, com muitas limitações e muito medo", remata.
[notícia atualizada às 13h09 de 14 de fevereiro de 2023]