Cresce a polémica à volta do livro “Das profundezas dos nossos corações”, de Robert Sarah, sobre a importância do celibato dos sacerdotes. O Papa Emérito não quer aparecer como co-autor, anunciou esta terça-feira o seu secretário pessoal.
Em declarações à agência Reuters, o arcebispo Georg Ganswein indicou ter já pedido aos editores que retirem o nome de Bento XVI “da capa, da introdução e da conclusão do livro”.
Vários órgãos de comunicação internacionais tinham noticiado nas últimas horas que o Papa Emérito “nunca viu nem aprovou” o livro sobre celibato sacerdotal, que sairá quarta-feira, e que Bento XVI foi “manipulado”. O livro será publicado esta quarta-feira, em francês, mas o ‘Le Figaro’ já publicou alguns excertos.
Segundo o jornal o livro teve como co-autor Bento XVI, mas nas últimas horas vários órgãos de comunicação internacionais desmentiram esse dado. A rádio Cope, em Espanha cita fonte próxima do Papa Emérito para garantir que o Papa “não escreveu um livro a quatro mãos com o cardeal Sarah”.
Já o diárioABC diz mesmo que Bento XVI “nunca viu nem aprovou o livro”, e que tudo parece apontar para uma “grave manipulação editorial e mediática”, que apanhou de surpresa o Vaticano. O mesmo jornal lembra que Sarah é considerado “um dos principais opositores visíveis do Papa Francisco”, e diz que o livro é “uma manobra” contra o Papa e as propostas saídas do recente Sínodo dos Bispos sobre a Amazónia, que defendem a ordenação sacerdotal de homens casados.
O ABC garante, ainda, que “desde há seis meses que Bento XVI não está em condições de escrever, apenas falar, como constataram várias pessoas que o têm visitado”.
Polémica “profundamente abjeta”
A reação de Robert Sarah não se fez esperar. O cardeal guineense, Prefeito da Congregação para o Culto Divino, começou por reagir no Twitter, indicando a correspondência que manteve nos últimos meses com Bento XVI. Os pormenores foram revelados depois num comunicado de cinco parágrafos, no qual indica as várias etapas até à publicação do livro.
Segundo o cardeal, a 5 de setembro, depois de ter visitado Bento XVI, escreveu-lhe a perguntar se poderia escrever um texto sobre “o sacerdócio católico, com uma atenção particular ao celibato”. A 20 de setembro o Papa Emérito respondeu-lhe a dizer que iria tentar fazer um texto de carácter teológico, mas que “não sabia se teria forças para isso”.
No dia 12 outubro o Papa enviou-lhe o texto, e o cardeal Sarah diz que o achou “tão bom” que sugeriu de imediato a publicação de um livro que “seria um imenso bem para a Igreja”, e “integrando o seu próprio texto e o meu”.
A 19 de novembro Robert Sarah garante ter apresentado a Bento XVI um manuscrito completo, e que tudo foi combinado “de comum acordo”. Segundo o cardeal, a 25 de novembro o Papa Emérito “manifestou grande satisfação sobre os textos redigidos em comum”, e escreveu-lhe indicando: “da minha parte estou de acordo que o texto seja publicado na forma que previu”.
A 3 de dezembro o cardeal diz ter-se deslocado de novo ao mosteiro Mater Ecclesiae, onde Bento XVI reside, para lhe agradecer a confiança e explicar que o livro seria publicado a 15 de janeiro.
O comunicado termina com o cardeal Sarah a considerar “profundamente abjecta” a insinuação de que não teria informado Bento XVI. E termina reafirmando que a sua “ligação a Bento XVI permanece intacta”, assim como a sua “obediência filial” ao Papa Francisco.
Ao início da tarde o Cardeal Sarah publicou outra mensagem no Twitter em que confirma que conversou com Ganswein e que vai fazer por acomodar os seus pedidos de retirar o nome de Bento XVI da capa, introdução e conclusão do livro, mas reiterando que o seu comunicado anterior continua a ser a única versão dos acontecimentos com que se identifica.
Bento XVI quer “demarcar-se deste aproveitamento”
Numa análise à polémica, Aura Miguel não acredita que “Bento XVI alinhasse numa iniciativa que ponha em cheque o Papa Francisco”. No seu habitual comentário no Espaço Religião das terças-feiras, às 13h, a vaticanista da Renascença considerou que “conhecendo a maneira de ser do Papa emérito, que prometeu que não ia ser protagonista quando resignou, sair um livro desta maneira é como lançar uma tocha para um poço de petróleo, porque ainda vem acicatar mais os ânimos dos que já criticam a possibilidade de haver ordenação de homens casados”.
O facto do secretário pessoal do Papa emérito, monsenhor Georg Ganswein, ter já “proibido em absoluto que o livro tenha o nome do Papa, e tenha mandado retirar a assinatura”, revela que Bento XVI quer “demarcar-se deste aproveitamento, independentemente do que pensa sobre o celibato sacerdotal. Não quer entrar nesta manipulação, isto é muito evidente”.
Para Aura Miguel esta polémica levanta outra questão de fundo, que é a “estatuto, vamos chamar assim, do Papa emérito”, havendo já quem defenda que “é preciso encontrar uma espécie de documento que defina ou detalhe o que é que o Papa emérito pode ou não fazer, porque senão facilmente se resvala para esta dicotomia que não faz nada bem à Igreja”, concluiu.