Padre Sérgio Leal, Professor de Teologia Pastoral da Universidade Católica defende que a declaração do Dicastério para a Doutrina da Fé aprovada pelo Papa Francisco e que permite “abençoar casais em situação irregular e casais do mesmo sexo” “é uma oportunidade pastoral” e vai ao encontro da “missão particular de cada pastor, que é a missão de acolher”.
O Sacerdote sublinha que estamos perante “um desafio muito exigente” e, que de esta declaração manter “firme a doutrina da Igreja sobre o casamento”, há o risco de alguns se afastarem porque “sabemos que existem sempre diferentes tensões”.
Como analisa do ponto de vista pastoral esta declaração do Dicastério para a Doutrina da Fé que possibilita “abençoar casais em situação irregular e casais do mesmo sexo”?
O Papa Francisco tem este desejo, que é o desejo da Igreja, que seja mãe, casa para todos, lugar de acolhimento, e este documento creio que vem neste sentido. De uma Igreja que não deixa ninguém à margem e que procura acolher a todos. Eu creio que é fundamental, no contexto deste documento, situá-lo também no interior do Magistério do Papa, onde este todos, todos, todos, não é apenas um ente abstrato, mas um lugar de concretização daquilo que o Papa já na Amores Letícia propõe a partir de três verbos, acolher, acompanhar e integrar.
Objetivamente, o documento refere que, do ponto de vista doutrinal, a Igreja tem um projeto de matrimónio e de família, que é muito claro. Contudo, isto não impede de acolher a todos e de caminhar com todos, mas, evidentemente, que esta, em primeiro lugar, é uma proposta de acolhimento, porque muitos se irão aproximar, porque procuram uma bênção que é sinal da proximidade de Deus e da proximidade da Igreja para com eles.
E creio que aqui é que se encontra a oportunidade pastoral e a missão particular para cada pastor, que é a missão de os acolher, de estabelecer um diálogo com eles, de conhecer a sua real situação, de apontar caminho, de os ajudar a caminhar na vida da fé, neste exercício de acolher, acompanhar e integrar.
Claro que é um desafio muito exigente, porque isto implica tempo, e, portanto, creio que isto pode ser uma oportunidade como proposta para que a Igreja se torne, à luz do mistério que vamos celebrar, do mistério de Natal, um lugar sempre de acolhimento e de proximidade.
E não se deve ficar apenas pela bênção? É necessário dar continuidade ao trabalho, numa perspetiva de acompanhamento e conversão?
Sem dúvida. Porque esse é o risco. Mas que é o risco em muitas outras circunstâncias.
Não haverá também aqui o risco de afastar outros?
Creio que em primeiro lugar, temos de nos focar naquele que é o objetivo, de envolver a todos. E não afastar ninguém.
E dentro da Igreja, sabemos que existem sempre diferentes tensões, e que da parte daqueles que estão mais envolvidos, acolher os que estão sempre mais fora, apesar de ser essa a dinâmica da Igreja, muitas vezes se torna exigente.
Há aqui um exercício, que eu creio que cabe ao Papa em primeiro lugar, e depois a cada pastor em particular, seja o Bispo nas suas dioceses e o pároco nas suas paróquias, de que o esforço de acolher uns não implica o afastamento de outros.
O documento tenta fazer isso ao dizer que a doutrina do matrimónio é intocável, os rituais das bênçãos, sacramentos e sacramentais são distintos e definidos, e estão definidos pelos ritos litúrgicos da Igreja.
E eu creio que esta é a tentativa de que ninguém se afaste, isto é, de que não estamos a relativizar o matrimónio, de que não estamos a dizer que há um matrimónio de primeira e umas relações reconhecidas por uma bênção como relações de segunda, mas para dizer, que há uma proposta clara da Igreja de matrimónio e que há depois este esforço de acolher a todos. O risco é evidente que existe, mas acolher a todos, acompanhar cada um e integrar na vida da Igreja
implica riscos, como a missão evangelizadora os implica. É importante é fazer este esforço de que ninguém se afaste, e que o acolhimento de uns não implique o afastamento de outros.
Será, portanto, um grande desafio também para os pastores?
Eu creio que recaia nos pastores para que recaia nas comunidades. Nós estamos num caminho sinodal e é no interior do caminho sinodal que sai esta declaração. E de alguma maneira podemos dizer, esta declaração é a resposta a inquietações que já estavam bastante presentes nas sínteses diocesanas, na síntese nacional portuguesa, mas de outros países, da preocupação do acolhimento dos casais homossexuais, dos divorciados recasados e de outras situações.
E, portanto, assim como isto, como esta resposta aparece a sinodalidade, ou no contexto, no caminho sinodal, o modo de a colocar em prática deve ter também esta dinâmica sinodal. Se por um lado recai sobre o pastor, que é aquele que deve dar a bênção, deve recair também nas comunidades, não é? Cabe também ao pastor formar a comunidade como lugar de acolhimento, como espaço de comunhão, de partilha, de encontro.