Os enfermeiros dos blocos operatórios de cinco hospitais públicos iniciaram a 22 de novembro uma greve de mais um mês às cirurgias programadas, que está a adiar milhares de operações.
A greve foi convocada por duas estruturas sindicais, embora inicialmente o protesto tenha partido de um movimento de enfermeiros que lançou um fundo aberto ao público que recolheu mais de 360 mil euros para compensar os colegas que aderirem à paralisação. O movimento denomina a paralisação como "greve cirúrgica".
Trata-se de uma greve considerada inédita em Portugal, devido à previsão da sua duração (mais de um mês) e à criação de um fundo de recolha de dinheiro para financiar os grevistas.
Quando e onde é a greve?
O pré-aviso determina que a greve começou às 08h00 de dia 22 de novembro, terminando às 24h00 de 31 de dezembro. O pré-aviso abrange cinco centros hospitalares: Centro Hospitalar S. João (Porto), Centro Hospitalar e Universitário do Porto, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, Centro Hospitalar Lisboa Norte e Centro Hospitalar de Setúbal.
Num protesto realizado a 3 de dezembro, o presidente do Sindicato Democrático dos Enfermeiros garantiu que os profissionais "não vão desistir da luta" e admitiu que a greve possa ser prolongada para além de 31 dezembro.
A greve é só nos blocos operatórios?
O pré-aviso de greve abrange todos os enfermeiros dos cinco centros hospitalares. Mas o movimento que recolheu os mais de 360 mil euros de fundo indica que a verba só fica garantida para os profissionais do bloco operatório desses hospitais.
Quem decretou a greve?
A ideia da paralisação e a criação de um "fundo solidário" partiu de um movimento espontâneo de profissionais, mas dois sindicatos emitiram pré-avisos que dão corpo à greve: Sindicato Democrático dos Enfermeiros de Portugal e Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros.
Todas as cirurgias serão canceladas?
Estão a ser afetadas as cirurgias programadas, dependendo da quantidade de enfermeiros que adiram à greve. A paralisação pode afetar até cirurgias oncológicas. Contudo, as operações consideradas urgentes serão sempre realizadas, porque há serviços mínimos a cumprir, como em qualquer greve no setor da saúde.
Que impactos está a ter a greve?
A greve já levou ao cancelamento de milhares de cirurgias. Segundo os sindicatos, estão a ser canceladas 500 operações em média por dia.
Os administradores hospitalares alertaram que há doentes em situações críticas que estão a ver as cirurgias adiadas, considerando que o panorama é "extremamente grave".
"Existem várias situações de doentes que necessitam de forma urgente de uma cirurgia sem que seja contemplada pelos serviços mínimos, que, na prática, consideram doentes oncológicos e os que entram pela porta da urgência", afirmou à agência Lusa o presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares, Alexandre Lourenço.
A Ordem dos Médicos estranha por sua vez o "silêncio" e a "passividade" do Governo, avisando que "há muitos doentes prioritários que não estão a ser operados", e pediu a divulgação dos casos das pessoas com cirurgias adiadas.
O que diz o Ministério da Saúde?
A ministra da Saúde marcou para hoje uma reunião com as administrações dos hospitais onde decorre a greve dos enfermeiros, para garantir uma adequada remarcação das cirurgias que estão a ser adiadas.
"O que procuraremos fazer dentro desta circunstância, que é muito penosa sobretudo para os utentes, é encontrar soluções dentro do Serviço Nacional de Saúde (SNS)", afirmou a ministra.
Por outro lado, Marta Temido apelou às ordens dos médicos e dos enfermeiros para que estejam atentas à greve, assegurando que "nenhum doente é prejudicado" e recusou "alimentar climas de guerra" entre profissões.
"Devemos todos evitar cair numa tentação que sinto que o terreno muitas vezes revela, que é virar as profissões umas contra as outras. (...) O Ministério da Saúde não vai fazer desta situação uma guerra. Está muito preocupado, sim, muito preocupado com os doentes e tudo fará para resolver o problema dos doentes", declarou.
A greve é lícita?
O Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República considerou que é lícita a convocatória da greve dos enfermeiros, mas alertou que caso caiba a cada enfermeiro decidir o dia, hora e duração da greve, o protesto é "ilícito".
Esta é a conclusão de um parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (PGR), solicitado pelo Ministério da Saúde.
"O parecer do Conselho Consultivo da PGR considera não haver ilicitude na convocatória da greve. Contudo, e quanto seu ao exercício, refere que [...] caso se constate que é cada um dos trabalhadores enfermeiros quem decide o dia, a hora e duração do período de greve, numa gestão individual desta forma de luta, deve-se concluir que estamos perante uma greve 'self-service', que corresponde a um movimento de protesto ilícito", diz a nota ministerial.
Questionada hoje pela Lusa sobre a possibilidade de recorrer a requisição civil, a ministra da Saúde considerou que essa é uma "opção extrema".
Porquê blocos de cirurgia de cinco centros hospitalares?
O movimento de enfermeiros que impulsionou esta greve afirma que cancelando e adiando cirurgias isso causará "constrangimentos económicos ao Estado". Entende ainda que as formas de luta adotadas até agora não têm sido bem sucedidas.
Inicialmente foram escolhidos os três maiores blocos de cirurgias dos hospitais públicos. Com a evolução do fundo de recolha de dinheiro, o movimento decidiu integrar mais dois centros hospitalares.
São hospitais que realizam muita atividade cirúrgica. A título de exemplo, só o Centro Hospitalar Lisboa Norte realiza, em média, por mês entre 1.500 a 2.000 cirurgias. O Centro Hospitalar Universitário de Coimbra apresenta uma média de 1.000 a 1.500 cirurgias programadas.
Como foi feita a recolha de donativos para apoiar os enfermeiros que façam greve?
O movimento "greve cirúrgica" criou uma página na Internet destinada ao 'crowdfunding' ou financiamento colaborativo que, durante mais de um mês, conseguiu recolher mais de 360 mil euros. O financiamento esteve aberto a todos os que quisessem contribuir. Sobre esta forma de financiamento, a bastonária dos Enfermeiros, que já veio apoiar o protesto, disse ser um "sinal positivo" ver tanto apoio, acreditando que amigos, familiares e utentes ajudaram os enfermeiros.
A meta inicial eram os 300 mil euros, valor que foi ultrapassado antes do fim do prazo estabelecido.
A quem se destina o dinheiro?
O fundo serve para financiar os enfermeiros dos blocos que adiram à paralisação. Serão dados 42 euros por cada dia de greve que seja descontado do vencimento. Segundo a página criada pelo movimento, o dinheiro será transferido para a conta dos enfermeiros nos dias seguintes à entrega da folha de vencimento onde estejam discriminados os dias em que o profissional fez greve.
O que reivindicam os enfermeiros?
Os enfermeiros têm apresentado queixas constantes sobre a falta de valorização da sua profissão e sobre as dificuldades das condições de trabalho no Serviço Nacional de Saúde. Pretendem uma carreira, progressões que não têm há 13 anos, bem como a consagração da categoria de enfermeiro especialista. Lembram que os enfermeiros levam para casa menos de mil euros líquidos por mês e que cumprem muitas horas extraordinárias que não lhes são pagas.