Viaja de comboio todos os dias para um destino diferente do planeado. Ricardo Ferreira, 30 anos, natural de Lousada, distrito do Porto, é professor, mas trabalha numa empresa de informática.
Conta oito anos de instabilidade laboral em escolas. Ano letivo após ano letivo, de contrato de substituição, em contrato de substituição, conseguiu, neste ano, um horário incompleto, a cerca de 600 quilómetros de casa.
Na conversa com a Renascença, em plena estação da Campanhã, no Porto, explica que ficou “colocado na zona do Algarve Interior com 16 horas”.
“Decidi ir. Estive lá, sensivelmente, um mês, mas depois apercebi-me que o dinheiro que eu ia ganhar não dava para as despesas. Se eu quisesse vir ao Norte, teria que vir de avião. Vivia a 110 quilómetros do aeroporto de Faro. Tinha que fazer o percurso da escola até ao aeroporto, tinha que deixar o carro no estacionamento e apanhar o voo para o Porto, depois uma viagem até à minha terra. O dinheiro que eu ganhava não dava para as despesas”, conta.
Quando chegou à escola, este professor de Matemática somou outro problema: “o facto de as direções escolares não facilitarem a vida aos professores contratados”.
“Eu estava numa escola com 16 horas e trabalhava de segunda a quinta-feira de manhã e à tarde. Se eu quisesse completar, o meu horário não conseguia. Sou professor de Matemática. A disciplina tem, pelo menos, dois dias ou três por semana e eu só tinha a sexta-feira livre para poder deslocar-me a outra escola”, relata à Renascença.
Com pouco mais de 800 euros de ordenado, o valor das deslocações e da habitação afastou quaisquer dúvidas. Ricardo Ferreira viu surgir-lhe uma oportunidade de trabalho e não pensou duas vezes. “Decidi denunciar o contrato e estou a trabalhar numa empresa de informática aqui no Porto”.
A mudança de vida deste professor, que espera ter apenas adiado um sonho, leva-o a concluir que a realidade crua dos números pode pesar no futuro. É a razão a esmagar o coração, quando refere que sempre gostou de ensinar, mas se a alternativa for um caso de sucesso repensa se volta, ou não, ao ensino num futuro próximo.
E acrescenta: “se calhar nem vale a pena. Neste momento, estou a ganhar mais do que auferia com o horário de 16 horas. A perspetiva de futuro é melhor”. É o pensamento que invade Ricardo Ferreira, que teme pelo futuro do ensino. Um pensamento que vai e vem, pois, pensa ainda voltar a concorrer. Sublinha que foi a uma escolha por vocação.
Professor, agora funcionário de uma empresa de informática, Ricardo Ferreira diz-se parte de uma geração perdida entre a instabilidade e a escolha de um novo caminho profissional. Realidade que, no seu entender pode, a curto prazo, trazer problemas de substituição de gerações mais velhas.
Na opinião deste professor por vocação, “os cursos de formação de professores estão praticamente vazios. Com as notícias sobre desemprego no setor, deixou de ser um curso aliciante. Temos, realmente, um problema de substituição de professores no futuro. Não sabemos como poderá ser resolvido. Pode passar pela entrada de pessoas de outras áreas, como no passado aconteceu com muitos engenheiros a lecionar a disciplina de Matemática, por exemplo”.
“Acho que a qualidade do ensino público pode ficar em causa”, lamenta.
A perspetiva de Ricardo Ferreira coincide com a da subdiretora-geral da Educação, Maria João Horta, segundo a qual já há falta de professores no sistema e não há investimento no setor para inverter a situação.
“Parece que vamos deixar de ter professores em Portugal”, disse com tristeza no início de outubro, numa conferência promovida pelo Conselho Nacional de Educação (CNE).
Passado meio do primeiro período deste novo ano letivo, há ainda muitas turmas sem professores em várias escolas do país.