Bispo auxiliar do Porto diz que o impressionou a capacidade de escuta do Papa e acredita que os resultados do Sínodo serão visíveis no trabalho com os jovens, que são “uma parte importante da Igreja”.
Que experiência o marcou mais neste Sínodo?
O sínodo em si próprio é uma experiência marcante para um bispo, porque sublinha e faz experimentar uma dimensão importante no ministério dos bispos que é a dimensão da comunhão episcopal. Muitas vezes ficamos só com a dimensão de cada bispo na sua diocese, mas o bispo faz parte do colégio episcopal.
Um Sínodo é porventura das maiores experiências de vivência dessa comunhão episcopal com os bispos de todo o mundo. Essa é uma primeira experiência que, de facto, é inesquecível e muito marcante.
Uma tradução concreta dessa comunhão episcopal é a proximidade com o bispo de Roma. É o Papa que convoca o Sínodo, mas o modo como ele pensa, preara e está no Sínodo é muito importante. Ele esteve em cada dia a receber e cumprimentar as pessoas, e o modo como esteve em cada sessão plenária, estando a ouvir a partilha e os contributos e as propostas de cada um dos bispos e não só é um testemunho muito marcante, isto é, não basta dizer que se ouve, ou propor a escuta como caminho e exercício.
Impressionou-o a forma de estar do Papa?
O Papa Francisco, para mim pessoalmente, foi um testemunho do que é saber escutar. Ouvir as pessoas, ter tempo para ouvir as pessoas, e com atenção, não com enfado ou distração. Um aspeto muito curioso deste Sínodo foi o de haver pausas de silêncio entre as intervenções, um silencia que ajuda a profundar a escuta para que as experiências e as palavras, de facto, toquem fundo.
Essa presença do Papa e o modo como estava no meio dos bispos de facto foi um sinal, uma experiência muito concreta da relação que há dos bispos com o Papa Francisco e os que com ele colaboram na Cúria. Permitiu um maior conhecimento sobre o que é a Igreja de Roma, que tem como missão ser sinal de unidade para a Igreja Universal.
Depois, uma outra experiência muito concreta foi a experiência de diálogo com os outros bispos. Um sínodo, pela abrangência que tem, permite conhecer a realidade da Igreja Universal, e esse conceito de Igreja universal é um conceito que temos na teoria, mas que o sínodo nos permite experimentar na prática, isto é, conhecer e ouvir o que é a vida das várias igrejas pelo mundo.
Foi um sínodo mais preocupado em falar de realidades fora da Europa…
Para nós, ou para mim pessoalmente, esta experiência faz-nos muito bem, porque sentimos e percebemos que vivemos muito absorvidos por uma atitude e uma visão muito eurocêntrica, e de facto a realidade da Igreja hoje é uma realidade cada vez menos centrada na Europa. A vida, a experiência e a força da Igreja noutras partes do mundo impressiona-nos. As lamentações que temos, o realismo com que vamos vendo aquilo que se passa à nossa volta contrasta muito com outras realidades.
A realidade da Ásia é uma realidade que nos impressiona, África em muitas regiões, a América Latina sobretudo… faz-nos muito bem ouvir o que é a vida da Igreja nestes lugares, no caso concreto a vida da Igreja no que diz respeito à participação dos jovens.
São sociedades com mais jovens, maior presença de jovens na sociedade e na igreja, e ouvir esses testemunhos faz-nos muito bem até para percebermos qual é a realidade da Igreja hoje. Alarga muito horizontes, e o sínodo permite isso, por um lado, e por outro lado a relativizar um bocadinho algumas das questões que nos vão desgastando e ocupando, e que nos fazem perder algumas energias.
Sob esse ponto de vista, o sínodo foi também uma experiência muito concreta daquilo que o Papa Francisco tem dito desde a Evangelii Gaudium, que é a conversão missionária da Igreja. Se há aspeto em que essa conversão é importante é no acolhimento e trabalho com os jovens. Portanto, também esse aspeto foi muito marcante.
A assembleia contou com uma participação inédita dos próprios jovens…
O diálogo com jovens de tantas partes do mundo permitiu-me a mim, e aos meus irmãos bispos, conhecer não só a realidade dos jovens em muitos contextos. Dou só dois ou três exemplos que foram muito destacados. A questão das migrações. Podemos falar do fenómeno dos migrantes de um modo geral, mas esse fenómeno, se virmos com atenção, diz respeito sobretudo a jovens.
Os jovens, seja dentro dos países, seja esta migração que vem de África para a Europa, é feita sobretudo por jovens. Outros aspetos têm a ver com a pobreza, outros fenómenos que causam sofrimento noutras sociedades, como a violência, etc, e que afetam basicamente jovens. Portanto, quer esses aspetos mais preocupantes, quer, sobretudo, e deixe-me sublinhar isto, as experiências mais positivas, de movimentos, grupos, iniciativas e projetos de vária ordem, sociais, eclesiais, mas também no que diz respeito à escola e a universidade… tantas iniciativas interessantes que se vão fazendo pelo mundo fora, iniciativas muito lideradas e propostas pelos jovens, onde eles estão muito empenhados.
Foi bom ouvir e conhecer tanta coisa boa que se vai fazendo. Às vezes só valorizamos as dificuldades, mas é bom valorizar o que de muito bom se vai fazendo, sobretudo quando vivemos num contento como é o nosso, e temos de perceber isso nós, portugueses, em que há algum tipo de facilidades.
Ouvir este testemunho de jovens em contextos muito difíceis, em países onde a Igreja é muito minoritária, em contextos de grande pressão e perseguição à própria Igreja, contextos em que a situação social e política é muito difícil, como a Venezuela e outros países, de facto aí é possível dar mais valor a jovens muito empenhados na sociedade, em várias causas, mas também na vida da Igreja. Foi também uma experiência muito interessante.
De regresso ao Porto, de que forma é que este contacto com diferentes realidades e iniciativas vai transformar a sua visão enquanto bispo?
Para mim pessoalmente, e enquanto delegado da CEP, fica uma primeira preocupação: este sínodo foi diferente, no sentido em que ainda estamos em pleno processo. Houve uma primeira fase de preparação, em que os jovens tiveram uma grande intervenção, e é importante reler o que eles disseram, sobretudo em Portugal, nas dioceses, tivemos agora a fase da sua celebração, mas o sínodo não termina com sua celebração. Vamos entrar na última fase do Sínodo que é a sua aplicação no terreno. Isto ainda é sínodo.
O Documento final é um documento inspirador para que cada país e cada diocese o trabalhar no terreno com os jovens, para pôr em prática, no seu contexto próprio, muitas daquelas inspirações.
A primeira preocupação é como aplicar, como reunir as pessoas, que passos dar para aplicar este Sínodo; um segundo aspeto é que um sínodo, pelo menos no que já foi realizado, é sempre um desafio a uma renovação. No caso concreto dos jovens, e na questão fundamental que é a questão da fé e com a sua consequência que é o despertar para a dimensão vocacional, digamos que tudo isso deve significar uma conversão.
É importante e fundamental, e seria uma oportunidade perdida se assim não fosse, a Igreja em Portugal voltar a olhar para os jovens, nesta nova perspetiva que é, em primeiro lugar, valorizar o papel dos jovens como uma parte importante da Igreja, como sujeitos da ação pastoral. Muitas vezes só os vemos como alguém que recebe, mas não, há felizmente muitos jovens na vida da Igreja, nos movimentos, nos grupos, nas atividades, muitos jovens que fazem o percurso de iniciação à fé até ao crisma, e é importante contar com eles.
Este Sínodo procurou reforçar a confiança nos jovens e dizer-lhes que podem confiar na Igreja. A Igreja reafirmou que confia nos jovens, este trabalho é com eles. Por outro lado, deixar mais claro que a dimensão missionária também conta muito com eles. É importante que, com os jovens, a Igreja tenha um rosto mais belo e mais jovem, como disse o Papa em Fátima.
Nós estamos habituados a um rosto mais idoso, mas este é um rosto fundamental da Igreja. A presença dos jovens nos vários meios é uma presença da Igreja. Também aqui há que afinar, atualizar, algumas perspetivas e algumas práticas.
Os jovens cristãos são a grande presença da Igreja em vários âmbitos, na escola, na universidade, em vários grupos e associações, e também no ambiente digital, em que hoje os jovens vivem.
O Evangelho e a presença da Igreja passam basicamente por eles, e no sínodo verificámos que muitas das melhores coisas que se têm feito partem muito dos jovens que, junto dos seus amigos, são um grande sinal da presença de Deus, e há coisas muito bonitas nesse capítulo. Há muitas coisas a mudar, e o sínodo deu e continuará a dar um grande impulso.
Depois do Sínodo, vale a pena que a língua portuguesa se mantenha como língua de trabalho das assembleias sinodais?
Eu acho que sim. Foi uma experiência bonita, e foi sublinhada a gratidão para com o Papa e a secretaria geral por se poder falar a língua portuguesa. Importa destacar não só que somos muitos milhões de cristãos a falar a língua portuguesa, mas também que somos muitos bispos a falar a língua portuguesa. Foi um sinal muito positivo, e descobrimos com grande agrado que há outras pessoas que falam português, ou percebem português, e sobretudo a marca do português que não é só a língua de um país, mas de vários.
Um facto curioso foi o de percebermos em muitos bispos, sobretudo da Ásia, apelidos portugueses. A nossa língua não se esgota apenas numa língua de trabalho, que permitiu ter um círculo menor de língua portuguesa, e foi muito interessante o debate, que permitiu estabelecer laços mais fortes com os outros bispos, mas digamos assim, também nos ajudou a reconhecer muitos noves de bispos de língua portuguesa. Sinal que os cristãos e os missionários portugueses estiveram em muitas partes do mundo, e isso é muito bonito.
Sentiu a falta de ter um jovem português no Sínodo?
Os jovens portugueses tiveram uma presença importante no pré-sínodo. No Sínodo, a intervenção teria sido sempre mais limitada. Mas os jovens tiveram sempre presentes no Sínodo, uns representantes, outros em oração, outros em comunicação, estiveram sempre presentes.
Entrevista realizada em parceria para a agência Ecclesia, Família Cristã, Flor de Lis, Rádio Renascença e Voz da Verdade, com o apoio da Fundação Ajuda à Igreja que Sofre