O que é o Estado Islâmico?
Para começar, não é um Estado, ou pelo menos não é reconhecido internacionalmente como tal. E muitos muçulmanos rejeitam que seja sequer islâmico.
Mas o Estado Islâmico (EI), como se autodenomina, é uma realidade a ter em conta no panorama do terrorismo mundial e neste momento apresenta-se como a principal ameaça à estabilidade do Médio Oriente.
Liderado por Abu Bakr al-Baghdadi, o EI ocupa de facto um território que abrange grande parte do Iraque e da Síria. Nesse terreno aplica uma versão radical da lei islâmica, persegue todos os não-sunitas e luta e gere o espaço como se fosse, de facto, um Estado, cobrando impostos e assegurando serviços básicos.
Em Junho de 2014 o grupo anunciou a restauração de um califado e nomeou al-Baghdadi califa, o que faz dele, aos olhos do grupo, o líder político e espiritual de todos os muçulmanos no mundo.
Embora a sua autoridade tenha sido aceite por alguns grupos terroristas e indivíduos, nenhum líder muçulmano de peso nem qualquer país deu crédito ao “califa”.
Estado Islâmico, ISIS, ISIL ou Daesh?
Estado Islâmico é o mais recente nome de um grupo que já teve várias outras designações.
Quando começaram a tornar-se mais falados em termos globais, os terroristas eram conhecidos como Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIL na sigla inglesa), sendo que Levante é o nome dado à região que abrange a Síria e o Líbano. À medida que mais território sírio foi ocupado pelos jihadistas, o nome foi alterado para Estado Islâmico do Iraque e da Sham (ISIS na sigla inglesa), sendo que Sham, ou al-Sham, é o nome antigo da Síria em árabe.
Quando al-Baghdadi declarou a restauração do califado, o grupo passou a identificar-se unicamente como Estado Islâmico, ou “O Estado”.
Muitas pessoas rejeitam o nome "Estado Islâmico" e em inglês o grupo ainda é frequentemente designado pelas siglas inglesas ISIS ou ISIL. O secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, vai mais longe e refere-se aos terroristas como o Não-Estado não-Islâmico, para enfatizar que o grupo nem é um verdadeiro Estado, nem é verdadeiramente islâmico, algo que muitos líderes muçulmanos também tentam realçar. Alguns órgãos de comunicação, como a Renascença, utilizam o termo “autodenominado” antes de Estado Islâmico, para realçar que não há qualquer reconhecimento oficial do grupo como estado independente.
Mais recentemente muitas figuras mundiais e órgãos de informação começaram a adoptar o termo Daesh, que tem sido usado há muito tempo pelos árabes que se opõem ao grupo. Esta palavra é na verdade um acrónimo para a Estado Islâmico do Iraque e da Sham em árabe (Al Dawla al-Islamyia fil Iraq wa’al Sham). Na verdade, os terroristas não utilizam nem Daesh, nem, neste momento, a designação a que o acrónimo se refere.
Mas o termo Daesh tem mais que se lhe diga. Em árabe, a palavra é muito próxima de outra que tem um significado pejorativo. “Dependendo de como se conjuga em árabe, pode significar desde ‘espezinhar e esmagar’ a ‘fanático que impõe as suas opiniões aos outros’”, explica Zeba Khan, um jornalista do Boston Globe, em Outubro de 2014.
Certo é que os próprios terroristas não gostam da designação Daesh e terão ameaçado os civis no seu território com represálias no caso de usarem o acrónimo, segundo a Associated Press.
A tendência para usar Daesh por parte de ocidentais tem mais a ver com o facto de saberem que se trata de um hábito que enerva o inimigo do que qualquer questão linguística ou de tradução.
Que território ocupa?
O Estado Islâmico ocupa uma faixa de território que abrange parte da Síria e do Iraque. No Iraque a sua presença é particularmente forte em toda a parte ocidental do país, faltando apenas partes da Curdistão iraquiano, no nordeste. Ocupa ainda a cidade de Mossul, a segunda maior do país, e está a poucos quilómetros de Bagdad.
Na Síria o grupo ocupa uma faixa que corta o país ao meio. A cidade de Raqqa funciona como capital do autoproclamado Estado. No nordeste há uma zona triangular que faz fronteira com a Turquia e com o Iraque que não está dominada pelo EI, mas o grupo controla centenas de quilómetros da fronteira com a Turquia. Esta situação é fluída, consoante os avanços e recuos dos grupos que se confrontam no terreno.
Fora deste território, há grupos em vários países que juraram fidelidade ao Estado Islâmico, pelo que se pode considerar que partes da Nigéria, do Iémen, da Líbia e do Afeganistão também fazem parte deste autodenominado califado.
Quem são os militantes do Estado Islâmico?
A maioria são árabes, das comunidades sunitas do Iraque e da Síria. Mas há muitos estrangeiros nas fileiras, incluindo cerca de 3 mil tunisinos. Estima-se que haja ainda cerca de 180 cidadãos americanos, bem como 600 britânicos. Só europeus serão perto de 2.500, sem incluir os cerca de mil turcos. Existe ainda um importante contingente de homens de expressão russa (cerca de 1.700 combatentes), de países como a Chechénia e Cazaquistão.
Há relato de cerca de uma dúzia de portugueses no grupo, incluindo algumas mulheres. Pelo menos quatro portugueses ou luso-descendentes já terão morrido ao serviço do Estado Islâmico. Sandro "Funa" e Mikael Batista foram alegadamente mortos durante a luta por Kobani e José Parente morreu num atentado suicida no Iraque. Em Março de 2015 foi anunciada a morte de um português conhecido como Abu Jawayria Portughali.
Em Outubro de 2014, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Rui Machete, disse à Renascença que há informações de que dois ou três tencionam abandonar o grupo e voltar para Portugal, mas não entrou em mais detalhes, nem especificou o que será feito caso isso se concretize.
Em Janeiro de 2015 foi revelada a existência de um português, natural da Ilha Terceira, nos Açores, que estaria a planear partir para a Síria para se juntar ao Estado Islâmico. "Abdul", nome que adoptava nas redes sociais, foi interrogado pela Polícia Judiciária, que terá tomado conhecimento das suas intenções, e constituído arguido.
Contra quem luta o Estado Islâmico?
Neste momento, o EI luta contra todas as outras facções no território do Iraque e da Síria, incluindo os exércitos oficiais de ambos os países, milícias xiitas e outros grupos da oposição ao regime na Síria.
Durante algum tempo o EI estava aliado à Al-Qaeda mas, desde que foi expulso da rede terrorista islâmica internacional, os seus militantes têm combatido também contra a Frente Al-Nusra, representante da Al-Qaeda na Síria.
Actualmente, no terreno, tanto no Iraque, como na Síria, são as forças curdas que mais se opõem ao avanço do Estado Islâmico, noutras partes dos dois países vão-se sucedendo avanços e recuos nos combates travados com outros grupos rebeldes ou forças governamentais.
A cidade de Kobani, na fronteira com a Turquia, esteve cercada durante meses, mas, finalmente, com o apoio de ataques aéreos da coligação internacional, os curdos conseguiram expulsar o Estado Islâmico da cidade, embora a ameaça permaneça nos arredores. A cidade tornou-se assim um símbolo da resistência ao radicalismo islâmico.
Fora do seu território, o Estado Islâmico promove ataques contra todos os países ocidentais, nomeadamente os que fazem parte da coligação internacional, com o atentado de Paris em Novembro de 2015, que fez 130 mortos, à cabeça. Alguns destes atentados, como o da Austrália e os do Canadá, são levados a cabo por “lobos solitários”, que não têm contacto próximo ou regular com quadros do Estado Islâmico mas identificam-se com a causa. Mas há também ataques mais bem organizados, como os que tiveram como alvo as forças governamentais do Egipto, na região do Sinai, e o atentado que em Novembro de 2015 abateu um avião comercial russo que partia de Sharm el-Sheikh, no Sinai, matando 224 passageiros e tripulantes.
Que países combatem o Estado Islâmico?
Mais de 60 países ou Estados uniram-se numa coligação para combater o Estado Islâmico. A maioria, incluindo Portugal, pouco mais fornecem do que apoio moral ou logístico. Os Estados Unidos fornecem o grosso do material e do pessoal bélico, juntamente com França e Holanda, mas vários países árabes também participam, incluindo o Bahrein, Jordânia, Qatar, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos. O Reino Unido e França intensificaram a sua participação após os atentados de Paris.
A acção desta coligação limita-se a ataques aéreos às posições do EI, sem qualquer presença no terreno, mas tem havido coordenação com as forças curdas que lutam contra os islamitas.
Em Fevereiro de 2015, o Egipto iniciou bombardeamentos contra alvos do Estado Islâmico, sobretudo da sua filial na Líbia, após o martírio de 21 cristãos coptas egípcios, que tinham sido raptados no final de 2014.
No Outono de 2015 a Rússia anunciou que iria começar a intervir mais directamente no conflito sírio, bombardeando posições rebeldes. Mas os russos não fazem parte da coligação internacional, uma vez que apoiam abertamente o regime de Bashar al-Assad e atacam não só o Estado Islâmico como outros grupos rebeldes também. Os atentados de Paris pareceram aproximar a Rússia das potências ocidentais, mas o abate de um avião russo pela Turquia, a 24 de Novembro, pode ter dificultado essa aproximação.
No início de Abril de 2015 o Estado Islâmico ocupou o campo de refugiados palestinianos de Yarmouk, em Damasco. Durante a ocupação foram travados combates com militantes do Hamas e vários destes, e outros palestinianos civis, foram fuzilados ou decapitados. O Estado Islâmico contesta as posições políticas e as alianças do Hamas, que estão próximos do Hezbollah, um grupo xiita que por sua vez receberá ordens de Teerão.
O Irão é outra força regional que está envolvida no conflito sírio. A grande potência xiita do Médio Oriente apoia o regime e por isso combate também o Estado Islâmico e outros grupos rebeldes na Síria.
Como é que o Estado Islâmico se financia?
Estima-se que a principal fonte de rendimento do Estado Islâmico seja o dinheiro obtido pela venda, no mercado negro, de petróleo extraído da cerca de uma dezena de poços que o grupo controla, sobretudo no Iraque, e que rendem milhões de euros por dia.
Os jihadistas recebem também bastante dinheiro dos impostos que cobrem às populações que vivem nas zonas controladas por eles e, muito possivelmente, de resgates cobrados pela libertação de pessoas raptadas.
O dinheiro e ouro pilhado de bancos em cidades como Mossul também reforçou a posição económica do EI, considerado actualmente o grupo terrorista mais rico do mundo. Há ainda indícios de que o grupo recebe financiamento e apoio logístico da parte de apoiantes nos países do golfo árabe.
Que crimes comete o Estado Islâmico?
As atrocidades cometidas pelos membros do EI são incontáveis, mas as mais mediáticas terão sido as decapitações de americanos, ingleses e japoneses que foram filmadas e divulgadas "online". A divulgação do assassinato de um piloto jordano capturado quando o seu jacto se despenhou foi particularmente grotesco. Muath al-Kasasbeh foi queimado vivo numa jaula. Mas as execuções menos mediáticas são comuns: incluem decapitações, lapidações e fuzilamentos. O castigo reservado aos homossexuais é serem lançados do topo do edifício mais alto das redondezas.
Todos estes crimes são regularmente filmados e divulgados nas redes sociais. Num caso que mereceu bastante atenção, a execução de dois alegados espiões é levada a cabo por uma criança que aparenta não ter mais do que 12 anos.
O grupo tornou-se mais conhecido quando conseguiu ocupar Mossul. Na altura, foram massacrados todos os soldados apanhados vivos, depositados em valas comuns ou exibidos como troféus.
No avanço que se seguiu no Iraque foram alvos particulares os membros da comunidade cristã e os yazidis, que vivem na região do Iraque conhecida como o vale de Nínive e que não dispunham sequer de milícias de defesa.
Houve vários massacres de cristãos, mas os yazidis poderão mesmo ter sofrido mais. Cercados numa montanha, houve relatos de crianças a morrer de fome e de sede. As mulheres capturadas foram transformadas em escravas e violadas, por vezes dezenas de vezes por dia. Quem conseguiu escapar procurou refúgio na capital do Curdistão iraquiano.
Em Fevereiro de 2015 a filial líbia do Estado Islâmico divulgou a execução, por decapitação, de 21 cristãos egípcios que tinham sido raptados no final de 2014. Esse acto motivou bombardeamentos por parte do Egipto e voltou a chocar a comunidade internacional.
Mas os crimes deste grupo terrorista não são apenas contra pessoas e populações. O património arqueológico do Iraque e da Síria tem sofrido muito com a intolerância dos jihadistas, que destruíram irreparavelmente as antigas cidades de Nimrud, no Iraque e de Palmira, na Síria, considerando heréticas as imagens.
Em Março de 2016 o Estado Islâmico reivindicou a autoria dos atentados de Bruxelas, que mataram mais de 30 pessoas e deixaram centenas de feridos. Um ataque anterior, em Novembro de 2015, em Paris, tinha sido reivindicado pela Al-Qaeda.
[Artigo actualizado a 23 de Março de 2016]