O imã Ahmed al-Tayeb, da Universidade de al-Azhar, no Egito, diz que nunca cortou relações com o Vaticano e classifica o Papa Francisco como um “homem de paz”.
Al-Tayeb encontra-se em Portugal para participar nos festejos dos 50 anos da Comunidade Islâmica de Lisboa, esta sexta-feira, e na quinta-feira proferiu uma conferência na Universidade Católica de Lisboa.
Em entrevista exclusiva à Renascença, o imã fala das suas relações com as diferentes igrejas cristãs, realçando a ligação pessoal com o Papa Francisco.
Mas as relações entre o Vaticano e o al-Azhar nem sempre foram tão pacíficas. Em 2011, depois de Bento XVI ter condenado a perseguição dos cristãos egípcios, conhecidos como coptas, a universidade decidiu suspender as conversações entre as duas instituições. Em 2016 estas foram retomadas e al-Tayeb visitou o Vaticano, mas imã insiste que nunca deixou de haver diálogo.
“Nunca houve cortes de relações entre o al-Azhar e o Vaticano. A prova disso é que eu tenho muitos amigos católicos em Roma, no Vaticano, muitas relações com eles. Nunca deixei de falar com eles”, explica.
Simplesmente, diz, aconteceu uma situação em que “entidades mais altas na Igreja disseram algumas coisas que foram mal-entendidas. Talvez tenham sido ditas sem intenção de ofender o Islão”, mas no clima que se seguiu o imã achou mais prudente “abrandar” as relações, em nome do objetivo principal de longo prazo, que é “reconciliar os crentes todos”.
Desde então, contudo, o diálogo vai de vento em popa e em 2017 al-Tayeb conseguiu reunir no al-Azhar três dos mais importantes líderes do mundo cristão, nomeadamente o Papa Francisco, o Patriarca Bartolmeu de Constantinopla, primus inter pares do mundo ortodoxo bizantino, e o Papa Tawadros II, líder da Igreja Copta Ortodoxa e principal hierarca da comunhão ortodoxa pré-Calcedónia, que é a terceira maior comunhão cristã do mundo.
O imã da Mesquita de al-Azhar não poupa elogios a Francisco. “O Papa Francisco, que é um homem de paz, abriu as portas. Eu visitei o Papa Francisco no Vaticano e o Papa Francisco retribuiu a visita e chegou com a mão estendida. Ele é um homem de paz, mudou muito o entendimento. A visita dele ao Cairo foi muito importante”, explica.
O Egito tem a maior comunidade cristã de todo o Médio Oriente, com os coptas a compor cerca de 10% da população, entre 8 e 12 milhões de pessoas, ou até mais, uma vez que não existem estatísticas certas. Embora tenha havido vários casos de perseguição e atentados contra os cristãos, o imã tem levantado sempre a voz em defesa da convivência. “A relação entre o al-Azhar e a Igreja Copta Ortodoxa é uma relação enraizada, inquebrável, somos como gémeos”.
Xiitas contra sunitas?
A entrevista do imã al-Tayeb à Renascença coincidiu com o sétimo aniversário da guerra civil da Síria, sem fim à vista. Muitos apresentam esse conflito como sendo entre sunitas e xiitas, os dois principais ramos do Islão. O regime de Bashar al-Assad é dominado pelos alauitas, uma seita xiita e conta com o apoio do Irão, a principal potência xiita do mundo islâmico e de milícias xiitas como o Hezbollah. Já a oposição é composta, em larga medida, por grupos de inspiração islâmica sunitas.
Mas esta é uma narrativa que o imã rejeita. “Nós – sunitas e xiitas – vivemos juntos e convivemos há 14 séculos. Nunca houve uma guerra, nunca houve um exército sunita contra um exército xiita. Na zona do Médio Oriente, nunca houve este tipo de conflito, como tem havido noutras religiões, em que houve muitos conflitos”, sublinha.
“Temos que tentar perceber qual é a razão destas guerras. Na Síria há duas forças, cada uma quer acabar com a outra, e se for procurar a verdade é muito claro, vê-se”, diz, sem adiantar mais.
Ahmed al-Tayeb nasceu em 1946 e é de uma família com fortes tradições na corrente sufi do Islão, considerada herética por muitos extremistas islâmicos. Em 2010 foi nomeado para o cargo de imã da Universidade de al-Azhar pelo então Presidente Mubarak. Manteve o cargo depois da Primavera Árabe e apoiou a revolta do general Sisi que derrubou o Governo ligado à Irmandade Islâmica, um grupo a que al-Tayeb sempre se opôs. É considerado um dos intelectuais muçulmanos mais moderados no Egito.