De norte a sul, a chuva que caiu em março em Portugal fez subir o volume de água nas barragens nacionais e o país deixou de estar em “seca extrema”, com apenas 16% do território em “seca severa”.
O cenário parece agora mais animador, mas, na verdade, o ano hidrológico, iniciado em outubro, não arrancou nada bem. Nestas coisas da meteorologia, ninguém manda e os dois primeiros meses de 2022 fizeram temer o pior.
“Os meses de janeiro e fevereiro, isso é relevante, foram os mais secos de sempre, desde que há registos. Estamos a falar de 1931. Nunca antes tinha acontecido, o que se refletiu, naturalmente, no nível das águas nas nossas albufeiras. Níveis muito baixos e, em algumas, historicamente baixos”, diz à Renascença, vice-presidente da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), José Pimenta Machado.
Um desses casos é a barragem do Alto Lindoso, situada no rio Lima, que atingiu, em novembro de 2021, 13,9% (54,3 metros cúbicos), o nível mais baixo das ultimas duas décadas, de acordo com os dados cedidos pela APA, através do Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos (SNIRH), tratados pela Data Science for Social Good Portugal e cedidos à Renascença.
A título de curiosidade, em 1999, o valor armazenado nesta albufeira era de 75,1% e, 23 anos depois, em 21 de março, segundo o mais recente boletim da APA, o valor é de 18%, como é possível conferir no respetivo gráfico.
O Alto Lindoso/Touvedo é uma das cinco barragens da EDP onde foi suspensa, por determinação do Governo, a produção hidroelétrica no inicio de fevereiro, situação que vai manter-se.
Vilar/Tabuaço, Cabril, Castelo de Bode e Alto Rabagão são as outras quatro. Esta última, também a Norte, atingiu o valor mais baixo em janeiro de 2021, 20% (114 metros cúbicos). A 21 de março deste ano, o valor armazenado era de 20,7%.
“Há uma questão que tem de ficar muito clara: apesar das medidas restritivas que tomámos no final de janeiro, o consumo humano está salvaguardado por dois anos. Neste período, não faltará água”, garante o vice-presidente da APA.
Deste “março, marçagão” que trouxe água “acima da média”, o responsável destaca ainda um outro dado interessante: “Curioso é que as chuvas de março tiveram particular intensidade a sul da bacia do Tejo, historicamente era ao contrário, mais norte e centro, mas, de facto, as chuvas, e isso é bom, caíram em zonas de seca estrutural, quer no Alentejo, quer no Algarve, o que é muito positivo."
Abril deverá fazer jus ao ditado popular “abril, águas mil”, segundo as previsões que a APA dispõe, esperando-se que possam ser “recuperados os níveis das águas das barragens que ainda têm níveis muito baixos”, preservando a sua qualidade.
“Reforçámos a monitorização da qualidade das massas de água e esta mantém-se estável, boa, não há aqui qualquer alteração em todas as albufeiras que nós monitorizamos, aliás até aproveitamos em algumas albufeiras, cujos níveis estão baixos, para as limpar do lixo”, indica José Pimenta Machado.
Foi o que aconteceu, por exemplo, em Castelo de Bode, na Caniçada, na bacia do Cávado e no Alto Rabagão.
“Aproveito, aliás, para apelar a todos que não depositem lixo nas albufeiras, sobretudo naquelas que são usadas para captar água para abastecimento publico”, pede o responsável da APA.
A população portuguesa gasta muita água, desnecessariamente?
“Os dados que nós temos da ERSAR [Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos] dizem-nos que o valor médio de consumo por habitante é de 186 litros por dia. A recomendação da ONU é de 110 litros por habitante/dia. Se compararmos estes valores, concluímos que temos de fazer mais alguma coisa para sermos mais eficientes”, afirma Pimenta Machado.
Ser mais eficiente ou mais poupado pode muito bem passar por pequenos gestos, como “não deixar a água a correr enquanto lavamos os dentes ou na rega nas nossas casas, dos nossos quintais ou carros”, menciona.
A APA já tem em curso várias iniciativas e está a preparar outras campanhas de âmbito “regional e nacional”, para sensibilizar as populações, nomeadamente através dos municípios, para sensibilizar para o uso eficiente da água.
O vice-presidente da APA lembra que “o Governo destinou cinco milhões de euros do Fundo Ambiental para campanhas e soluções de contingência para fazer face a esta seca”.
Apesar destas e de outras medidas, se não houver mudança de comportamentos, não há dinheiro que chegue para combater ou minimizar um panorama cada vez mais frequente.
“Os últimos 10 anos mais secos, aconteceram depois do ano 2000. Os estudos que temos dizem-nos que o futuro nos reserva menos água. Podemos discutir se vamos ter mais ou menos percentagem de água disponível, no entanto, há uma coisa que nós não podemos discutir, é a tendência, e a tendência é para termos cada vez menos este recurso vital”, acrescenta Pimenta Machado.
Encontrar novas origens de água
Nesta entrevista à Renascença, o responsável recorda que a APA “está muito empenhada em usar as águas das ETAR [Estação de Tratamento de Águas Residuais] com tratamento adicional, para, por exemplo, a lavagem de ruas, equipamentos, ou caixotes do lixo”.
Há uma semana, precisamente no Dia Mundial da Água, Lisboa lançou primeiro projeto de reutilização de água para a rega de espaços verdes da cidade. A iniciativa, da empresa Águas do Tejo Atlântico, em parceria com a Câmara, arrancou na Fábrica de Água de Beirolas, que passa a reutilizar a água não potável para regar os parques e jardins do Parque das Nações Norte.
“Com isto, veja bem, vamos poupar 1.200 metros cúbicos, por dia, de águas naturais, o que é muito significativo”, realça.
Este trabalho já começou a ser feito também no Algarve, uma das maiores preocupações da APA. Neste momento, dois dos 40 campos de golfe existentes na região já são regados com água proveniente de Estações de Tratamento de Águas Residuais, sendo que a maioria destes campos, depende de furos próprios, com recurso à água dos aquíferos subterrâneos naturais.
“Estamos a falar de um hectómetro cúbico, que são mil milhões de metros cúbicos de água para regar dois campos de golfe, mas no final deste ano, esperamos poder duplicar esse valor”, anuncia Pimenta Machado.
A meta é ainda mais ambiciosa e a APA espera, em 2025, conseguir “multiplicar por oito, ou seja, oito hectómetros cúbicos, usando estas novas origens de água”, para poupar aquilo que são as águas naturais.
“Temos aqui um grande objetivo para o Algarve, em particular, zona de seca estrutural, para que todos os campos de golfe sejam regados por água residuais tratadas das ETAR. Claro que há aqui uma questão de saúde publica que temos de acautelar, mas estamos muito empenhados e a trabalhar bastante com os municípios da região algarvia e com os operadores turísticos, para, no final de 2025, conseguirmos este objetivo”, sublinha.
Outro projeto em curso passa por utilizar a água do mar, tornando-a potável. Foi, recentemente, lançado o concurso para a criação da primeira central de dessalinização do continente. Vai ser instalada, precisamente, no Algarve e tem um custo estimado de 45 milhões de euros. Será financiada por Bruxelas e prevê-se que esteja em funcionamento daqui a três anos.
“Já foi lançado o concurso, o projeto está lançado, para instalar uma grande central de dessalinização na região do Algarve, para consumo humano, sendo esta mais uma resposta, muito importante, às secas que nos vão assolando”, afirma este engenheiro do Ambiente.
“É preciso que nos adaptemos a esta realidade, através da reutilização das águas das ETAR’s, da instalação da central de dessalinização para consumo humano e, é claro, temos mesmo que mudar comportamentos e ser mais eficientes, para melhorar as chamadas perdas físicas, que nalguns casos ainda andam à volta dos 30%, 40% e 50% e mais, no caso da agricultura”, assegura José Pimenta Machado.
“A nível nacional, o país consome 6 mil hectómetros cúbicos, se quiser são dois Alquevas por ano, sendo que o consumo na agricultura representa mais de 70% e o consumo urbano cerca de 19%”, remata o vice-presidente da APA.
A importância da água e o problema da sua escassez
+ Apenas 1% do volume total de água existente no planeta é água doce acessível ao ser humano;
+ Segundo a ONU, uma em cada três pessoas em todo o mundo não tem acesso a água potável;
+ A média diária de consumo de água por pessoa, em Portugal, é de 187 litros
+ Portugal é um dos países com maior pegada hídrica a nível mundial;
+ Portugal consome mais de 40% da água que tem disponível;
+ Em 2040, Portugal corre o risco de entrar numa situação de stress hídrico severo.
Fonte: Portal da Água