A canção “Grândola Vila Morena” foi o segundo sinal para iniciar a revolução de 25 de abril de 1974. O mote veio a ser dado através da Rádio Renascença.
“Houve várias iniciativas. Inicialmente tentou-se pela Emissora Nacional, mas não funcionou. As ligações militares também não serviam e, a partir daí, surgiu essa ideia. Havia um programa que transmitia para todo o país, na Rádio Renascença, que era o programa ‘Limite’, a emitir a partir da meia-noite. É aí que entra um homem muito importante, o jornalista Álvaro Guerra, que divulgou muitas indicações que saíam do Movimento [das Forças Armadas]. Colocámos-lhe a questão e ele aceitou”, conta à Renascença Carlos de Almada Contreiras, capitão de Mar e Guerra e militar de abril.
Foi escolhida a “Grândola”, mas não era essa a sugestão inicial. A censura acabou por ditar esta história.
“Um outro camarada que estava connosco nesta ligação, inicialmente, escolheu ‘Venham Mais Cinco’. Já um pouco em cima da hora, no dia 22, eu encontrei-me com o Álvaro Guerra, debaixo do elevador de Santa Justa, para lhe dar as últimas instruções e dizer exatamente o que teria de se ser feito. Facto é que ele foi à Rádio Renascença e, passado um quarto de hora, aparece e diz: ‘O Venham Mais Cinco está proibido’. Tive de arranjar uma alternativa”, conta.
A escolha da canção coube, assim, a Carlos de Almada Contreiras que ali mesmo, em plena rua, mas às escondidas do regime, toma a decisão como se tivesse à sua frente um imenso plenário do Movimento das Forças Armadas (MFA).
“Ficou decidido debaixo do elevador de Santa Justa, no tal plenário onde estava eu e o Álvaro Guerra, que a canção seria a Grândola”, afirma com um sorriso.
A música viria a ser transmitida na Renascença, às 00h25 do dia 25 de abril de 1974, confirmando o início da Revolução dos Cravos e o fim da ditadura do Estado Novo.
“Grândola Vila Morena” foi composta em 1964, após uma atuação de José Afonso na vila alentejana de Grândola, e vai ser agora proposta a Património Fonográfico Nacional.
Bobines com história dentro
O município de Grândola quer classificar os registos sonoros originais da senha do 25 de Abril transmitida pela rádio, que estão em bobines, e que incluem a música de José Afonso.
O presidente da Câmara, António Figueira Mendes, explica que está em causa a classificação dos registos fonográficos de três bobines que contêm acontecimentos essenciais para a história da Revolução.
“Nessas bobines estão a senha integral emitida no programa ‘Limite’ da Rádio Renascença, que iniciava as movimentações militares na madrugada do 25 de abril, e a gravação do Primeiro Encontro da Canção Portuguesa, que teve lugar no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, no dia 29 de março de 1974”, revela.
Nesse dia, em que o Coliseu teve lotação esgotada, a canção “Grândola Vila Morena” foi aclamada em apoteose e entoada em uníssono.
“O que quer dizer que a música já tinha sido apropriada pelo povo, mesmo antes do 25 de abril”, sublinha António Figueira Mendes.
O autarca diz que a iniciativa agora levada a cabo, no âmbito do vasto programa comemorativo dos 50 anos da Revolução, é um motivo de “orgulho” para o município, que “se internacionalizou” com a canção.
A cerimónia de apresentação da candidatura a Património Nacional destes documentos sonoros associados à canção “Grândola, Vila Morena”, realiza-se esta quarta-feira, às 15h00, na Casa do Alentejo, em Lisboa.