Recentemente, numa publicação no blogue da Fundação Francisco Manuel dos Santos, Luísa Loura, diretora da base de estatísticas Pordata, admitiu que em três anos 250 mil estudantes serão afetados pela falta de docentes.
A carreira de ensino não conseguiu atrair e fixar José Costa, que há mais de 10 anos, e após três anos consecutivos de instabilidade, decidiu mudar de rumo. Hoje tem a certeza que já não volta atrás e o futuro é mesmo como agricultor.
Colhe o fruto e, depois, distribui e vende diretamente da árvore para os minimercados. Esse é o truque do antigo professor de educação física, de 37 anos, para fintar a concorrência.
“Não fiz nada do outro mundo, eu via a qualidade do produto e observei por várias cidades que a cereja que se vê nas superfícies demora 30 horas da árvore até lá, e eu consigo fazer isso em três horas”, começa por contar o produtor, em declarações à Renascença.
“Eu e o meu pessoal começamos a partir das 6h30 a colher o fruto até às 11h30 e depois eu vou entregar diretamente às mercearias. É diferente da rota comercial da cereja, que passa por duas, três mãos”, revela José Costa, insistindo que “as cerejas vão diretamente da árvore para os minimercados”.
Ainda que habituado desde sempre a ver os pais a trabalhar na agricultura, na Quinta do Casal, em Lamego, ao terminar o ensino secundário José Costa decidiu enveredar pela licenciatura em Educação Física, com o objetivo de um dia dar aulas.
“Os meus pais queriam algo mais seguro para mim”, recorda. Mas passados três anos de instabilidade no ensino, sem número de horas que justificasse, José Costa decidiu mudar de vida e hoje trata as cerejas por tu.
“Acho que as pessoas não têm noção do quanto custa apanhar um quilo de cereja, nem do custo de mão de obra. É difícil arranjar pessoas para este trabalho sazonal. Tem de ser tudo apanhado com o pé, com muito cuidado”, afirma, enquanto demonstra o processo: “apanhar apenas as que estão no ponto de maturação, agarra-se pelo pé e faz-se o movimento para cima”, sublinha.
O antigo professor admite que é um trabalho complicado. “Sempre realizada de manhã a colheita, para entregarmos a fruta logo a seguir ao almoço, para terem o fruto fresco. É um produto muito sensível”, sublinha.
Quando terminou a licenciatura em Educação Física, já lá vão mais de 10 anos, na UTAD - Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, o professor, agora agricultor, tentou durante alguns anos abraçar a carreira docente, mas desistiu para se dedicar à Quinta do Casal e aos seis hectares de produção de cereja, herdados dos pais.
“Esta quinta começou a ser montada pelo meu pai há mais de 30 anos e agora também ajudo nas funções de produção, distribuição e venda. Aos 24 anos, quando acabei a licenciatura em Educação Física, o mercado de trabalho não me oferecia grandes possibilidades de emprego e muitas vezes precário, sem grandes condições”, lamenta.
Mas José Costa encontrou a sua oportunidade na terra, a ajudar os pais a potencializar a cereja, “numa zona de excelência”.
Num balanço da sua opção de vida, não se mostra “nada arrependido”. “Não via assim grandes possibilidades de emprego, dei aulas durante três anos, mas agarrei-me a isto e vejo uma saída para o futuro. A pessoa aqui cria, inova e dá-me liberdade para criar coisas diferentes e ajudar a família a manter isto por muitos anos”, garante.
“Aqui a mente está mais livre do que na escola”
E se há escolhas que parecem difíceis, a de José Costa é fácil de responder. Professor ou produtor de cereja? “Produtor de cereja, ontem, hoje e sempre”, diz, anunciando uma boa colheita para este ano.
“A colheita vai desde maio a meados de julho, no ano passado consegui 30 toneladas de cereja, mas tinha caído muito granizo. Este ano espero ter mais. Vendo aos mercados a 2,5 euros ou 3 euros o quilo, conforme a variedade. Esta ainda não está pronta, mas pode provar. Esta é a Lapins, ali a Burlat, e além Smith. Mais um dia ou dois, já estão prontas. Eu só como cerejas assim, diretamente da árvore, totalmente biológicas”, defende.
José Costa salienta o valor da cereja. “Um fruto sazonal, com muita procura, mais para consumo imediato. Vendo para minimercados, revendedores, consumidor final. Tenho alguns supermercados em Aveiro, Porto, Guimarães, Coimbra”, descreve.
E a rotina? Diferenças entre a docência e a agricultura? “Sabe que neste ramo da agricultura, começo às 6h00 da manhã e termino às 10h00 da noite. Aqui canso o corpo, mas a mente está mais livre do que na escola, no ensino é diferente.”
“Na quinta, há hora de chegar, mas não há hora de sair. No ensino era a questão das deslocações, há muitos fatores no ensino que desmotivam os professores a continuarem nesse ramo. Somos sempre o elo mais fraco. Agrada-me a liberdade que temos aqui na quinta e aqui permite-me crescer e só dependo de mim, de me tentar superar, no ensino estamos por vezes limitados”, lamenta.
Para matar saudades da prática desportiva, José Costa concilia a profissão de agricultor com a de treinador de futebol, no Cracks Clube de Lamego. “Trabalho com camadas jovens, que me possibilitam estar sempre ligado ao desporto”, valoriza.
O outrora professor de Educação Física tenta jogar em todas as frentes. À cereja, segue-se o mel. “Já tenho 70 colmeias em produção de mel, o que também ajuda na polinização das árvores de fruto”, esclarece, concluindo que no mundo da agricultura só o tempo “é a única coisa que não consegue controlar”.
“É ingrato trabalhar para uma colheita e três dias antes, cair uma tempestade e perdermos 80% da produção, é ingrato. E os seguros funcionam mal”, afirma o produtor que um dia foi professor.