O presidente do CES, Francisco Assis, diz que gostava de ver António Costa como presidente do Conselho Europeu para suceder a Charles Michel.
Em entrevista ao Hora da Verdade, programa da Renascença e do jornal Público, o socialista- que apoia Pedro Nuno Santos na corrida à liderança do PS- acredita que o primeiro-ministro demissionário não vai terminar a carreira política depois da operação Influencer, que levou à sua demissão.
Sobre si, diz que não tinha condições para ser candidato à liderança do PS, não afasta entrar para o governo nem entrar na corrida a Belém em 2026. E dá a entender que está de saída do CES.
Pode ler a segunda parte desta entrevista aqui, onde critica a atuação do Ministério Público no caso que derrubou o Governo e sai em defesa de Marcelo no caso das gémeas.
Depois de tudo o que aconteceu e da forma como o Governo caiu, o PS tem que ter na sua liderança um rosto que consiga entender se com o PCP e com o bloco?
O PS tem de ter um líder que fale diretamente aos portugueses, que apresente um programa ao país, que diga claramente quais as prioridades do PS, que inicie um novo ciclo na vida nacional e na vida do PS. E que esteja disponível para um diálogo com todos os partidos democráticos em Portugal. No passado houve essa experiência e Pedro Nuno Santos teve um papel muito activo nesse Governo em que o PS teve o apoio parlamentar do PCP e do BE. Ele faz uma avaliação bastante positiva desse processo. Eu tenho uma avaliação histórica distinta, fui contra essa solução por razões essencialmente de ordem política e moral.
Na altura não me pareceu a melhor solução para o país. Mas estamos em 2023, as pessoas já sabem que o PS tem essa disponibilidade, conhecem as vantagens e as desvantagens da solução e, portanto, o quadro político é completamente diferente. Mas eu não o apoio pelas ligações que ele possa ter. Eu apoio-o pelo que ele é, pelas suas posições, pela sua energia, pela sua inteligência, pela sua qualidade política e no essencial das suas ideias, com as quais concordo nos aspectos fundamentais.
Foi tão crítico da geringonça. Já não é uma pedra no sapato? Teria hoje a mesma posição?
Hoje, nem eu nem ninguém pode ignorar o que se passou nestes anos em Portugal: ao fazer-se essa coligação, alterou-se a realidade política portuguesa e, a partir desse momento, a possibilidade de se repetir uma solução dessa natureza existe.
Já não é impossível.
Não é impossível. Tem vantagens e desvantagens. Eu acho que tem que ser é avaliado no seu momento e por isso não antecipo o que deve o PS fazer num quadro pós-eleitoral.
Em abstrato, não preferia um candidato que fizesse entendimentos com o PSD do que um candidato que fizesse entendimentos com a esquerda?
Nós não estamos a escolher o candidato que vai fazer entendimentos com este ou com aquele; nós estamos a escolher o secretário-geral do PS e uma personalidade pelos seus méritos, pensamento, ideias, visão, energia, combatividade; pelas suas características.
Mas é inevitável que isso seja um factor...
E esse candidato [Pedro Nuno Santos], a meu ver, neste momento, é o que garante maior unidade no PS, o que não é de somenos importância, porque estamos a poucos meses de travar uma disputa eleitoral com obrigação de nos apresentarmos coesos perante o país.
Nós devemos fugir dessa discussão e de saber quem é mais moderado ou radical, se este se entende melhor com este ou aquele, e concentrarmo-nos no essencial: saber o que é que o PS vai propor em matéria de política económica, política orçamental, das reformas que são necessárias do Estado social, em matéria de política europeia e de política externa.
A geringonça teve um efeito: deu poder ao PS. E quando se tratou da questão do poder, foram poucos os que ficaram de fora. E eu fiquei de fora. Há pessoas que dizem ‘Eu estou disponível para ficar de fora’, mas há outras que podem dizer ‘eu fiquei’. Há uma certa diferença entre manifestar uma intenção e apresentar um dado biográfico. Eu fiquei.
Continua a haver aí alguma mágoa?
É evidente que quando uma pessoa fica muito isolada num partido e teve uma vida muito ligada ao partido há sempre alguma mágoa. Nesse período, lembro-me que fui a um Congresso em que fiz uma intervenção com uma sala em silêncio absoluto. E nalguns setores havia sinais de hostilidade. O isolamento na política cria alguma mágoa, mas é assim que tem que ser. Eu sempre tomei posições e nunca fugi a elas.
Neste momento, julgo que posso, modéstia à parte, dar um contributo na vida do PS pela positiva, pelo que sou na vida portuguesa, pelas minhas ideias, pelo percurso que tenho, participando numa solução política numa perspectiva nova. Nós devemos ter um modelo de partido mais colegial, menos monolítico e onde convivam pessoas que têm muitas vezes pontos de vista diferentes nalgumas matérias.
Isso quer dizer que não quer ser reconduzido para o Conselho Económico e Social.
Bom, essa questão também não se colocou. A partir do momento em que nada foi equacionado, essa questão também não foi objeto de discussão e não é uma questão que esteja presente na minha cabeça. Sendo certo que em relação a isso eu afirmei, aquando desta segunda tomada de posse, que não estaria disponível para estar no CES mais que dois mandatos. Seria muito difícil voltar a ficar no CES. Enfim, o trabalho foi interrompido de facto por duas vezes. Foi uma experiência extraordinária. O CES pode e deve desempenhar um papel mais ativo na vida nacional, na promoção de estudos na promoção da discussão, até porque esses estudos são elaborados de forma participada como envolvendo vários segmentos da sociedade portuguesa. O CES pode e deve ter, de facto um maior um papel mais ativo e mais visível na vida portuguesa
"Já assisti a disputas muito mais violentas no PS"
O partido não corre esse risco de ficar dividido a partir de domingo?
Não. O PS sempre teve candidatos fortes e até disputas mais acérrimas do que esta. A disputa entre António Costa e António José Seguro, se me recordo, foi muito mais violenta do que está a ser esta. Agora, claro que foi porque as circunstâncias o permitiam, porque as eleições se colocavam num horizonte mais distante e já assisti no PS a disputas muito mais violentas do que esta.
Porque é que eu entendo que não vai haver risco nenhum disso? Não há nenhuma divergência ideológica profunda a separar uns dos outros. Aliás, os dois candidatos fizeram parte dos mesmos governos; nunca se lhes notou divergências absolutas em matérias fundamentais. Claro que eles têm perspetivas um pouco diferentes, são pessoas diferentes, mas no essencial não há aqui nenhuma divergência insuperável, pelo contrário.
O PS é hoje um partido social-democrata. A social-democracia é uma corrente de opinião política de espectro relativamente largo: vai desde os liberais de esquerda a um certo liberalismo de esquerda que acaba por chegar à social-democracia, até algum pós-marxismo que também se reconhece hoje na social-democracia. Este é o espaço em que nós nos situamos. É muito amplo, é a condição de ser um grande partido.
Um partido com uma identidade ideológica fechada é sempre um partido muito pequeno, O PS tem uma identidade clara, uma identidade programática clara. Se formos ver as noções, as declarações, as considerações, não há nenhuma divergência de fundo.
Em segundo lugar, as pessoas no PS estimam-se. Felizmente, não há aqui nenhum mal-estar profundo. É natural que neste momento haja alguma irritação, porque os dois estão na disputa. Eu já estive em várias disputas. Nesses momentos estamos no centro das atenções. Mas as pessoas estimam-se, respeitam-se no PS, respeitamo-nos profundamente uns aos outros.
Aliás, mesmo quando eu estava sozinho e fui aos congressos sozinho e dizer coisas que ninguém queria ouvir, isso eu não esqueço: foi respeitado. Porquê? Porque as pessoas respeitaram os militantes. Aliás, notei uma diferença muito grande entre os respeito, os militantes e alguns dirigentes momentâneos do Partido Socialista.
Essa sua participação pode ir até que ponto? Está disponível para integrar um governo de Pedro Nuno Santos, ser novamente deputado, encabeçar lista às europeias?
Isso não vou responder por uma razão muito simples: eu nunca falei com o Pedro Nuno Santos sobre nenhuma dessas questões. Esta semana convidei-o para almoçar na minha terra, em Amarante, e abordámos muitos assuntos, mas não abordamos deliberadamente essas questões.
Porquê?
Porque estou farto de ouvir… há sempre tendência para a maledicência. Eu não negociei absolutamente nada como nunca negociei nada ao longo da minha vida política. Já apoiei vários candidatos a secretário-geral que perderam, estive fora da política partidária, e tencionava permanecer. Agora as coisas precipitaram-se, estas eleições são difíceis e entendi que tinha esta obrigação.
O partido não corre esse risco de ficar dividido a partir de domingo?
Não. O PS sempre teve candidatos fortes e até disputas mais acérrimas do que esta. A disputa entre António Costa e António José Seguro foi muito mais violenta do que está a ser esta. Agora, claro que foi porque as circunstâncias o permitiam, porque as eleições se colocavam num horizonte mais distante.
Porque é que eu entendo que não vai haver risco nenhum? Porque não há nenhuma divergência ideológica profunda a separar uns dos outros. Aliás, os dois candidatos fizeram parte dos mesmos governos; nunca se lhes notou divergências absolutas em matérias fundamentais. Claro que eles têm perspectivas um pouco diferentes, são pessoas diferentes, mas no essencial não há aqui nenhuma divergência insuperável, pelo contrário.
Falando em futuro político: o de António Costa acabou?
Não. Isso parece-me evidente que não acabou.
E por onde passa?
Também não lhe sei responder. Esse é o tipo de discussão que neste momento não serve o debate político nacional, porque não é isso que se vamos discutir nas eleições legislativas e não serve o PS. É evidente que ele vai ter, pode ter um papel na vida política, porque é novo.
Na política europeia?
Eu aí já até vou um bocadinho mais longe do que tenho ido. Pessoalmente, gostaria de o ver, se possível, na presidência do Conselho Europeu. Não por ser um português, um socialista e a pessoa de quem sou amigo, independentemente das nossas diferenças. É porque acho que ele seria muito útil ao projeto europeu. É uma área em que foi absolutamente firme, adquiriu um enorme prestígio na Europa, não apenas da sua família política, mas nomeadamente junto da direita democrática europeia. Numa altura em que há a ameaça de crescimento de extremismos a nível europeu, em particular extremismos de direita, parecer-me-ia interessante que uma personalidade com estas características - um europeísta convicto, um democrata que consegue falar com todas as grandes famílias políticas democráticas e com uma grande experiência - pudesse presidir ao Conselho Europeu. Não estou a ver, entre os primeiros-ministros em funções, alguém que tenha um perfil tão adequado ao desempenho daquela função quanto o António Costa.
E para Belém?
Isso ainda é muito cedo para discutir quem é o candidato a Presidente da República. Essa é uma discussão que se terá na altura própria e certamente que avançará alguém da nossa área política.
Não o Francisco Assis?
Nem sim nem não. Eu nessas coisas, sou cauteloso porque…
Não fecha a porta.
Não é não fechar a porta. Nem fecho, nem… A porta não está lá portanto eu não vou falar de uma porta que não existe. Não vou fechar nem abrir uma porta que neste momento não existe.
A minha disponibilidade neste momento é, de facto, inesperadamente para mim próprio, voltar à vida político-partidária. Não sei em que termos, repito, não falei nem sequer pensei muito sobre isso e até tenho evitado pensar. Terei que tomar dentro de alguns dias algumas decisões, mas a verdade é que o fundamental neste momento, e esse é o apelo que eu faço aos candidatos: não perder de vista que este processo democrático interno termina dentro de poucas horas ou poucos dias. A seguir, o partido tem que estar unido, tem que estar coeso.
Há gente muito boa que está a apoiar um e outro. Essas pessoas têm que estar na primeira linha da disputa política em nome do PS e este tem que se apresentar ao país com um programa claro de um grande partido social democrata profundamente europeísta, preocupado com o crescimento da economia, com o aumento da produtividade (essencial para o crescimento da economia), preocupado com a consolidação orçamental. Sendo que aí há um campo de debate em que termos, com que ritmo, de que maneira é que se deve fazer isso.
O Bloco central é repetível?
Tudo o que é democrático é repetível.
E recomendável?
Ser recomendável ou não depende das circunstâncias. Neste momento, não me parece que estejam criadas condições em Portugal para que possa haver no imediato um bloco central. Não é o mais normal e não é o mais desejável.
Qual é o problema do bloco central de facto? Quando estão estes partidos todos, os dois grandes partidos estão coligados e as oposições polarizam-se e assistimos a um extremar de posições na vida política. Isso é negativo, é bom que haja um partido de centro-esquerda forte e um partido de centro-direita forte. Um ou dois, mas com capacidade para se entenderem em várias questões, e para serem alternativos um ao outro.