Os cidadãos comuns são menos tolerantes à corrupção do que os seus representantes políticos e a troca de favores na política ou o beneficiar de grandes interesses económicos são os comportamentos que os cidadãos mais condenam, numa avaliação à qualidade da democracia.
São estas algumas das principais conclusões de um estudo feito da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), cujos resultados foram divulgados esta segunda-feira.
A Fundação realizou dois inquéritos – um dirigido aos representantes políticos, como deputados e autarcas, e outro à opinião pública – e concluiu, comparando ambos, que os dois grupos valorizam de forma diferente determinados comportamentos em democracia.
Os participantes neste estudo foram questionados sobre uma situação hipotética, em que um ministro nomeia o seu genro como assessor de imprensa. Os cidadãos parecem considerar que se trata de um comportamento corrupto – 7,85 (em média) numa escala em que a resposta 0 corresponde a “não é corrupção” e 10 a “é corrupção”. Já na elite política a resposta é “consideravelmente diferente”, conclui o estudo, com uma médica de 4,83.
O documento aponta mesmo que este tipo de comportamento é mais condenado pelos cidadãos do que os crimes de corrupção propriamente ditos.
Na análise dos resultados, os investigadores concluem que, “para o público em geral, a corrupção política não abrange apenas condutas e práticas que violam a lei, mas também outras consideradas inaceitáveis no desempenho de cargos políticos e que minam a confiança dos cidadãos”.
Já os políticos “tendem a reconhecer a lei como único critério orientador da sua conduta, enquanto os cidadãos tendem a considerar inaceitáveis várias práticas e condutas que os eleitos veem como normais em política”.
“Rouba, mas faz” é tolerado
O estudo da Fundação revela também que “uma parte significativa dos cidadãos parece aderir à máxima ‘rouba, mas faz’". Segundo o documento, numa escala em que 0 corresponde a “não concordo” e 10 a “concordo totalmente”, em média “a concordância dos cidadãos com a afirmação ‘Se o resultado de uma ação for benéfico para a população em geral, não se trata de corrupção’ é de 4,71, enquanto a dos políticos é de 2,79”.
A mesma tendência verifica-se em relação à afirmação: “Se a ação for feita por uma causa justa, não se trata de corrupção”. Neste caso, “a concordância média dos cidadãos é de 4,45", contra 2,83 entre os políticos.
Face, por exemplo, a casos como um político entregar a construção de casas de habitação social a uma empresa que apoiou a sua candidatura, o estudo demonstra que a elite política tende a desvalorizar práticas que não sejam claramente ilegais, criando uma zona cinzenta de tolerância à corrupção.
Ainda assim, de acordo com o investigador Luís de Sousa, uma parte significativa dos cidadãos não penaliza os políticos se o resultado da ação dúbia for positivo para a comunidade.
"Os cidadãos utilizam aquela expressão 'São todos iguais' quando na realidade não são, sabemos que não, e isso faz com que se concentrem apenas no resultado. É o 'roubo, mas faço', se tiver externalidades positivas para a comunidade, se for por uma causa justa, [as pessoas] acabam por ser um bocadinho mais condescendentes", aponta um dos coordenadores do estudo à Renascença.
Evolução “fragmentada e inconsistente”
O estudo da FFMS aponta para uma “evolução positiva” da regulação da ética política, mas, ainda assim, feita de forma “fragmentada e inconsistente”.
Os avanços, acrescenta o estudo, “têm sido provocados por pressão exógena”, na sequência de escândalos ou advertências de organizações internacionais. E ainda é "pocuo comum os partidos políticos equiparem-se com instrumentos de autorregulação ética, como códigos de conduta e comissões de ética".
Os autores do estudo recomendam que, mais do que proibir certas práticas por lei, “é fundamental adotar uma abordagem mais preventiva à corrupção, que conjugue formação, controlo e gestão diária de dilemas éticos, através de normas, procedimentos e instrumentos adequados”.
O estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos foi coordenado por Susana Coroado e Luís de Sousa, investigadores do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.
Os autores apontam que tem havido um "franco crescimento" da regulação da ética política, mas referem um "problema": o facto de que muitos desses esforços regulatórios não parecerem tersido "adequadamente desenhados nem implementados, projetando assim uma imagem de negligência e impunidade".
"A perceção geral é a de que não há vontade nem comprometimento por parte da classe política para melhorar e manter os padrões éticos na vida política", é ressaltado.
Face aos resultados desta investigação, o presidente do conselho de administração da FFMS, Gonçalo Saraiva Matias, pede "um amplo debate sobre as suas conclusões, de modo a melhorar a qualidade da democracia em Portugal, o que se revela indispensável para o nosso desenvolvimento enquanto sociedade".