Começou nesta terça-feira, em Setúbal, o julgamento do processo cível sobre a praxe na praia do Meco, no qual as famílias dos jovens que morreram reclamam indemnizações no valor global de 1,3 milhões de euros.
Este processo cível sucede a um processo criminal que não chegou a avançar na justiça. Ambos tentam o que ainda não se conseguiu perceber: o que aconteceu naquela noite de 15 de dezembro de 2013.
Um grupo de jovens envolvido numa praxe académica desapareceu da praia e só João Gouveia, o "Dux", ficou para contar a história.
No dia seguinte ao desaparecimento, foi aberto um inquérito, que acabou arquivado em julho de 2014 e que foi reaberto em outubro desse mesmo ano, altura em que João Gouveia foi constituído arguido.
O processo-crime foi enviado para julgamento, mas o Tribunal da Relação de Évora, após recurso da defesa, manteve a decisão de arquivamento, sustentando que as vítimas eram adultas e não tinham sido privadas da sua liberdade durante a praxe.
Em 2016, os pais das vítimas avançaram com as seis ações cíveis contra o único sobrevivente e a Universidade Lusófona, de que eram todos alunos e cujo julgamento agora começa.
A principal intenção dos pais é fazer com que João Gouveia esclareça o que aconteceu.
“Se isso engloba dinheiro, não engloba dinheiro são coisas que nos ultrapassam por completo”, diz Fátima Negrão, mãe de uma das vítimas, à Renascença.
“Não é esse o meu objetivo. O meu objetivo desde o primeiro momento é saber porque é que eu perdi um filho naquele fim-de-semana académico em que ele estava trajado. A partir daí é ponto suficiente e eu hei-de ir até onde for preciso”, garante.
A obtenção de respostas tem sido, desde 2013, a grande luta dos pais daqueles jovens estudantes universitários. Nesta terça-feira, alguns esperam confirmar certezas e dissipar dúvidas
“Juntando as coisas, a gente sabe mais ou menos o que se passou por ali. Agora falta saber, da boca das pessoas, a verdade”, diz Carlos Campos, que conseguiu que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem desse razão a uma queixa que apresentou com a alegação de que o Estado tinha violado o artigo que prevê o direito à vida na Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
O Estado acabou condenado a pagar 13.000 euros de indemnização por falhas na investigação, que não satisfez os requisitos referentes à proteção do direito à vida, sobretudo porque uma série de medidas urgentes podiam ter sido tomadas logo após a tragédia do Meco.
Por exemplo, o exame forense à casa alugada pelos jovens só aconteceu dois meses depois.
Facto é que, desde aquela noite fatídica, os pais vivem – ou sobrevivem – sem respostas.
“É muito difícil. Deixei de viver. Sobrevivo. Tento ser o mais amigo em casa possível, mas sei que não sou, porque sinto uma grande frustração e, ao mesmo tempo, uma grande revolta, porque, além da nossa perda, da perda de um filho, esta gente toda que esteve envolvida nos processos achincalharem-nos, e muito doloroso. É uma revolta muito grande”, admite Carlos Campos.
Fernanda Cristóvão acrescenta que há sete anos que vive um filme a que é difícil assistir. “Se já é um filme de terror perder um filho, quanto mais com todas estas dúvidas, todas estas incógnitas que estão por esclarecer há sete anos”.
Pode ser que, com este julgamento, possa ter menos peso de cima dos ombros, dado que em tribunal vai estar a única pessoa que pode dar respostas: o Dux João Gouveia.
“Ele sabe. Ele sabe a verdade. Ele sabe a verdade, disso não tenho a mínima dúvida. Ele não contar até agora leva-nos a desconfiar que a verdade não é aquela que ele contou ao senhor procurador. Foi uma fantasia o que ele contou”, considera esta mãe.
Quanto à Universidade Lusófona, Fernanda Cristóvão lamenta, tal como todos os outros pais, a falta de sensibilidade e de solidariedade.
“Houve muito tempo para que aquelas pessoas tivessem a mínima sensibilidade e aparecessem para dizer 'eram nossos alunos, estamos convosco, queremos ajudar-vos', nem que seja do ponto de vista psicológico. Nada”, revela.
Fernanda promete ir até às ultimas consequências para saber o que se passou e espera que um dia, seja quando for, se chegue a uma conclusão. “Se eu não estiver cá para ouvir, pode ser que alguém possa um dia ouvir ‘aqueles pais tinham razão: tudo aquilo que fizeram foi montar um grande cenário’” para fantasiar que tinham perdido os filhos “por uma mera brincadeira. Não foi uma mera brincadeira”.
O julgamento cível esteve marcado para fevereiro deste ano, mas acabou por ser adiado para agora por causa da pandemia. Começou às 9h00, em Setúbal.
No julgamento criminal, que acabou por ser arquivado, os pais das vítimas acusavam João Gouveia pelo crime de omissão de auxílio.