A associação Acreditar lançou uma petição para alargar de cinco para 20 dias a licença pela perda de um filho. João Bragança, presidente da Associação de Pais e Amigos de Crianças com Cancro, relata à Renascença a sua experiência dolorosa vivida há 20 anos.
João Bragança recorda que os cinco dias de luto parental, previstos na lei, “não serviram para nada” perante um episódio tão traumático e violento do ponto de vista emocional. Regressar ao trabalho foi um “automatismo”.
O presidente da Acreditar pretende, até final de setembro, atingir as 100 mil assinaturas, “um número redondo que dava um sinal muito claro do apoio da sociedade” a esta petição.
Esta petição, que ao mesmo tempo é um alerta, não chega tarde?
Nunca ninguém pensou nisto. De facto, eu acho que por aquilo que nós temos falado com as pessoas, e eu tenho mandado a petição para várias pessoas; e grande parte das pessoas disse: eu não fazia ideia que era tão pouco. Eu estou indignado ou indignada por isto. Eu não fazia a mais leve ideia que era tão pouco. Eu acho que só sabe que um pai tem cinco dias de luto quando morre um filho quando nos morre um filho.
As pessoas não faziam ideia, mas quem legisla deve pensar estas questões. Os políticos existem para nos governarem e provavelmente já deviam ter pensado no assunto.
Talvez eu vá ser politicamente incorreto, mas talvez os políticos nalgumas circunstâncias legislem para aspetos que fazem parte de uma agenda política, ou fazem parte de uma necessidade de agradar a uma franja da sociedade e não aos pais que perdem um filho.
Porquê a proposta de aumentar o luto parental para 20 dias?
Nós fizemos um estudo comparativo do que se passa na Europa. A Dinamarca contempla a hipótese de 26 semanas, ou seja, seis meses. Mas o caso que nos pareceu que era mais equilibrado era o caso da Irlanda, que contempla 20 dias úteis.
A maior parte dos países europeus não tem legislação sobre o assunto ou remete para os acordos coletivos de trabalho. A maior parte dos países tem, espantosamente, um, dois, três quatro dias, não mais. O luto não se faz em cinco dias, não se faz em 20 dias, sabe Deus se se faz em 20 anos!
A petição vai ficar até ao mês de setembro. Nós temos um objetivo principal, que é ter tantos assinantes possíveis que nos dê força à petição. Por outro lado, também queremos que se faça uma discussão na sociedade sobre o luto dos pais, sobre o sofrimento, sobre o que é que podemos dar a estes pais que passam por esta experiência. Nós não temos nenhum objetivo definido, mas parece-nos que não sendo excessivamente ambiciosos termos 100 mil assinantes seria um número redondo muito simpática e dava um sinal muito claro do apoio da sociedade.
Disse que o luto não se faz em cinco dias, em 20 dias, provavelmente tão pouco em 20 anos. É a experiência de alguém que já passou por um momento particularmente doloroso na sua vida.
Eu passei pela morte de uma filha há 20 anos. Há 20 anos que ela morreu, e no outro dia perguntaram-me porquê os cinco dias, o que é que sentiu? E eu disse foi um automatismo. Ela morreu e, ao fim de cinco dias, eu tinha que voltar a trabalhar porque era isso que a lei impunha. Foi um automatismo.
Deitando um olhar sobre o dia 4 de novembro de 2001, penso que, de facto, cinco dias não serviu para nada. Serviu para dar uma de mão na alma e no coração, mas não serviu para dar novas fundações e para reestruturar uma família que está destruturada ao fim de meses, e nalguns casos, anos de sofrimento e de dificuldades, de destruturação da família. Cinco dias não é nada.
Nalguns casos poderá ser, porque as pessoas podem querer voltar ao trabalho, porque é no trabalho que escondem as suas mágoas e ocupam a sua cabeça, mas, nalguns casos, e nós conhecemos na Acreditar famílias que estão separadas durante mais de um ano, cinco dias não é rigorosamente nada.