O advogado dos dois iraquianos acusados de crimes de guerra e adesão a organização terrorista renunciou esta quarta-feira ao seu mandato por entender que não haverá em Portugal um "processo equitativo e justo".
Vítor Carreto renunciou ao papel de mandatário dos arguidos no início do julgamento, após declarar que estes "nunca terão em Portugal um processo equitativo, justo e de acordo com o procedimento legal sob as luzes da Convenção Europeia dos Direitos Humanos", após a procurador do Ministério Público ter pedido na sessão que os dois irmãos iraquianos sejam condenados pelos crimes imputados pela acusação.
Perante a renúncia de Vítor Carreto, a juíza Alexandra Veiga pediu a nomeação de um advogado oficioso à Ordem dos Advogados, comunicando aos arguidos que, se pretenderem, poderão constituir outro mandatário, sendo que não serão inquiridos até esta questão da defesa estar resolvida. Assim, o tribunal limitar-se-á para já a identificar os arguidos.
Antes de renunciar ao mandato, o advogado Vítor Carreto alegou que este processo é "filho de um dano colateral provocado por Portugal, Espanha, Reino Unido e Estados Unidos, nas pessoas de Durão Barroso, José Maria Aznar, Tony Blair e George Bush, que em março de 2003 iniciaram a eliminação do regime de Saddam Hussein, alegando posse de armas de destruição maciça e cumplicidade nos atentados de 11 de setembro".
Vitor Carreto afirmou ainda que, durante o processo, que dura há cinco anos, "tudo foi consentido ao Ministério Público (MP) em sede de investigação e instrução", enquanto aos arguidos Ammar e Yasir "tudo foi rejeitado": "Nem sequer foi admitido aos arguidos verem ou ouvirem as alegadas testemunhas que os acusam de forma genérica e sem provas".
"É por todas estas razões que os arguidos não acreditam na justiça portuguesa e não reconhecem os tribunais portugueses como competentes para julgar este processo", acentuou o advogado, acusando Portugal de viver "sob o domínio da visão norte-americana, em conluio com a decisão de invadir o Iraque".
Argumentou ainda que desde 2020 que o MP tem conhecimento de que corre um processo no Iraque pelos mesmos factos que o tribunal português quer agora julgar, alertando que ninguém pode ser julgado duas vezes pelos mesmos factos.
"A confiança na justiça portuguesa está minada, pois com a islamofobia iniciada por Portugal, Reino Unido, Espanha e EUA em 2003, não pode agora invocar-se neutralidade ou imparcialidade", vincou, alegando que a última esperança dos arguidos reside no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) e no Tribunal Penal Internacional (TIP) em Haia.
No início da audiência de hoje, o MP exibiu um vídeo obtido por uma equipa das Nações Unidas (ONU) que mostra as atrocidades do Estado Islâmico (EI) contra as pessoas consideradas infiéis. .
Com este vídeo, a procuradora disse pretender demonstrar o uso de "violência extrema pelo EI nos territórios que ocuparam e manifestou a convicção de que os arguidos serão condenados pelos crimes constantes da acusação face à prova documental, testemunhal e pericial que será apresentada em julgamento.
Os dois irmãos iraquianos Ammar Ameen e Yasir Ameen compareceram hoje em julgamento sob forte vigilância policial e prisional.
Um deles, Ammar Ameen, esteve cinco dias em greve de fome no início deste mês em protesto contra as severas condições prisionais que lhe foram impostas na cadeia de alta segurança de Monsanto e por não lhe serem permitidos contactos com pessoas ou familiares do exterior.
O Ministério Público (MP) acusou em setembro de 2022 os dois irmãos iraquianos da prática dos crimes de adesão a organização terrorista, crimes de guerra contra as pessoas e, quanto a um arguido, também, de crime de resistência e coação sobre funcionário.
No inquérito conduzido pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) foi investigada a atividade dos arguidos enquanto membros do autoproclamado Estado Islâmico (EI), nos departamentos Al Hisbah (Polícia Religiosa) e Al Amniyah (Serviços de Inteligência) durante a ocupação do Iraque por essa organização terrorista, designadamente entre 2014 e 2016.
Permanecendo em Portugal desde março de 2017, ao abrigo do programa de recolocação para refugiados da União Europeia (UE), Ammar Ameen e Yasir Ameen estão em prisão preventiva desde setembro de 2021, quando foram detidos pela Polícia Judiciária.
Um dos irmãos trabalhava no restaurante Mezze, em Arroios (Lisboa), quando o primeiro-ministro, António Costa, e o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, visitaram aquele espaço reconhecido por integrar refugiados.