Caiu o pano sobre o homem que mais tempo liderou o PSD depois de Cavaco Silva. Para Pedro Passos Coelho, pode ter sido a despedida ou o princípio de um pousio que o trará de volta. Nem o próprio sabe. Resta por ora o passado. Só a distância temporal ajudará a avaliar o que foi afinal o “passismo” e o governo de 2011-15.
A pós-verdade, as “fake news” e a espuma mediática não gostam destas revisitações – mas elas são úteis. Passos Coelho nunca teve boa imprensa: foi sempre subestimado na ascensão, denegrido no poder e diabolizado pelo governo que lhe sucedeu, que terá agora que inventar outro “espetro reacionário” para manter unida a geringonça.
Na narrativa mediática, Passos era neoliberal e austeritário, subserviente na Europa e insensível para com os portugueses, que castigava fiscalmente, recomendando que deixassem de ser piegas. Sem concessões ao soundbyte afetuoso, Passos teria destruído o país, semeado a pobreza, multiplicado a emigração e aumentado até os suicídios. Depois dele, veio então a descompressão, a simpatia, as reversões, a abundância e a felicidade… Não sou militante do PSD e não escrevo para o justificar, apenas para lembrar alguns factos – de conjuntura e de estrutura.
Quanto à conjuntura, constatar que em 2011 o país estava de facto à beira do desastre é o melhor caminho para entender a substância da governação de Passos, mesmo que algum discurso e medidas concretas possam merecer críticas. Em março/abril desse ano, quando a governação socialista implodiu, o défice estava em 10%, os juros da dívida já excediam 7%, e esta dobrara de c. 90 mil milhões € para c. 174 mil milhões € desde 2005. Mesmo que não proclamada, a bancarrota era real. Sócrates já inaugurara a austeridade com os PECs 1, 2 e 3, não chegando ao PEC 4 porque a emergência nacional obrigou a chamar a troika. Não foi Passos que inventou o Memorando de assistência externa que, duríssimo, era o programa de governo oficioso de qualquer futuro governo oficial. Sem se perceber isto – e isto são factos – ficará sempre desfocada a imagem do que se passou em Portugal a partir de 2011.
Passos governou num tempo em que a política não pôde ser a arte do possível e do desejável, mas a crua realidade inevitável do necessário: fazer o que era preciso fazer, porque era preciso fazê-lo, em regime de emergência nacional. Não reconhecer isto é má-fé política. E se é um facto que a austeridade cresceu até 2013, desacelerou em 2014 e inverteu de 2014 para 2015, quando o défice fechou em 4,5% e os juros da dívida se negociavam a 1,5%. No programa eleitoral da PàF (PSD-CDS), em 2015, estabelecia-se já um calendário para o desmantelamento da austeridade, com recuperação de rendimentos e emprego e com redução da carga fiscal até 2019.
Quando a estrutura – na maior duração temporal – a história registará um dia que o “austeritarismo” de Passos não foi a escolha sádica de um obcecado, que se abateu sobre os portugueses. O cinto apertou, sem dúvida, mas sobre uma “tanga” já muito esfiada, porque outra das duras verdades que os otimistas irritantes não querem ver é que a troika, que tanto condicionou o “passismo”, não foi a causa dos nossos males, mas a consequência de despesismos crónicos e de crescimento quase nulo desde o ocaso do guterrismo. E os bons números mais recentes que bafejam Costa teriam bafejado Passos, se o vencido em 2015 tivesse respeitado as tradições constitucionais. Com a Europa gripada e herdando um país falido, o “passismo” teve de ir ao fundo do poço; e é o poço, que no fundo continua a existir, e não Passos, o nosso problema. Mas quem é que gosta de lembrar a doença, quando hoje só se celebra a (suposta) saúde?