A Europa marca passo ou pelo menos caminha muito lentamente na distribuição de refugiados pelos países da União Europeia. E a mobilização de meios para a gestão da crise está também aquém do prometido. Dos 160 mil migrantes a recolocar, pouco mais de uma centena tinha sido redistribuída até meados da semana passada.
O provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, Pedro Santana Lopes, identifica dois desafios simultâneos: a demora em acolher os que já cá estão e o limite da capacidade de acolhimento que se vai fazer sentir a prazo em vários países europeus.
" Os que costumam acolher mais estão a apelar aos outros para também darem um passo em frente. Nesta matéria dos refugiados, todo o tempo de atraso pode ser pago com língua de palmo, como se costumava dizer. São atrasos que não são indiferentes nas consequências que podem trazer. Podem registar-se níveis de adesão extraordinários mas não comparemos estes casos com o regresso das pessoas que vieram de África ou seja de onde for. Estamos a falar de culturas diferentes, instruções diferentes, casos sociais gravissimos. Não tem nada a ver", afirma o comentador do programa "Fora da Caixa" da Renascença.
Em países como Portugal, o tempo é de espera pela chegada dos refugiados, face ao processo de identificação das pessoas.É a burocracia que está a travar este mecanismo ? " Esse nome é de uma "senhora" muito antiga. É a incapacidade, a ineficácia. Se é a burocracia ou uma prima da burocracia, não sei. Não faz sentido, quando há países que estão prontos a receber", sustenta Pedro Santana Lopes que ao mesmo tempo reconhece que a gestão da crise nos países de chegada não é fácil.
A vergonha em números
António Vitorino diz que a Europa vai ter que "mudar de chip". O antigo comissário europeu lembra que as previsões da Comissão Europeia apontam para a entrada de 3 milhões de pessoas na Europa até 2017, incluindo um milhão de refugiados em 2015. "Há países da UE que não têm 3 milhões de habitantes, como os países bálticos", assinala o comentador do "Fora da Caixa" para ilustrar uma operação logística de grande dimensão.
"Isto vai exigir muita coragem dos lideres políticos, muita capacidade de organização e de integração ordeira nas sociedades de acolhimento. Isso só se consegue com meios logísticos, com qualidade de pessoal humano que vai tratar destes assuntos - guardas de fronteira, serviços sociais, serviços de registo de refugiados. E vai exigir dinheiro", insiste António Vitorino que não revela a sua própria estimativa de custos desta operação, abaixo das verbas mobilizadas.
O antigo ministro socialista diz que os números divulgados "envergonham qualquer um" com dotações financeiras dos estados-membros praticamente com 5% daquilo que prometeram. " Obviamente que não se fazem omeletes sem ovos, não se fazem milagres sem meios financeiros. Se disse que os meios financeiros previstos eram insuficientes, se a realização desses meios insuficientes está a 10%, é obvio que não se pode esperar um milagre", conclui António Vitorino.
A Comissão Europeia acaba de publicar alguns cálculos sobre o impacto económico da crise dos refugiados. O PIB da zona euro pode subir uma décima percentual, mesmo com uma subida a curto prazo da despesa pública.
António Vitorino diz que o cálculo é muito arrojado, mas há estudos que alimentam um cenário positivo." Em séries longas prova-se que os imigrantes são mais contribuintes líquidos do que recebedores líquidos dos sistemas sociais em todos os países da União europeia, incluindo no Reino Unido. Em segundo lugar, é sangue novo que vem, importante para sociedades em envelhecimento acelerado", sustenta o comentador do "Fora da Caixa".
Um grito de alarme na Suécia
Um dos pontos de tensão na crise dos refugiados vive-se no norte da Europa. A Suécia pediu redistribuição por outros países dos refugiados que estão naquele país, tradicionalmente aberto à chegada de migrantes. Os suecos poderão receber um total de 190 mil refugiados em 2015 e têm-se registado incidentes em centros de acolhimento.
"Quando a Suécia é um país tradicionalmente acolhedor de emigração vem dizer que não aguenta mais e vai entregar um pedido de ajuda ou apoio na Comissão europeia e vem dizer que atingiu o limite da sua capacidade de acolhimento... Quando olhamos para aquelas imagens sucessivas de centenas e milhares de pessoas a chegarem, em terra ou no mar, começamos a ter essa sensação: quando é que isto pára e como é que isto se resolve. A Suécia é um grito de alarme", diz Pedro Santana Lopes no debate de temas europeus da Renascença.
António Vitorino concorda. " A Suécia tem sido um país historicamente muito procurado por refugiados. Neste momento, as sondagens mostram que o partido xenófobo e anti-imigração já está na ordem dos 20%. Isso significa que é um sinal de alarme para o que se está a passar. Mesmo num país onde a cultura de acolhimento já existe - que é muito importante - há sinais de alarmantes em relação a uma pressão que não vai diminuir", conclui o antigo comissário europeu.