O antigo ministro da Administração Interna, mas também ex-diretor-geral do SEF, ex-diretor do Serviço de Informações de Segurança (SIS) e fundador do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) defende que a solução encontrada pelo Governo não faz sentido e destrói competências que levaram muitos anos a construir.
Em entrevista à Renascença, Daniel Sanches critica a dispersão de meios por vários outros serviços do sistema de segurança interna, e mostra-se convicto de que esta área melhor não fica.
Qual é a sua opinião sobre a extinção do SEF?
Não faz nenhum sentido. Mas nenhum. Quando se está a tratar uma determinada matéria, neste caso a imigração e estrangeiros, tem que se ter a informação toda em conjunto. Não é só a parte administrativa da conceção de asilo e de autorizações de residência, a vertente operacional tem que acompanhar, tem que estar integrada no mesmo núcleo.
Estar agora a dividir tudo, só lhe posso chamar um desperdício total de tudo o que foi feito. Um desperdício não só de dinheiro, mas o que me causa mais amargura é o desperdício de competências que foram criadas, sinergias que o serviço tinha dentro de si. E agora de repente há uma verdadeira explosão, uma parte vai para um lado, outra parte vai para o outro.
Terá implicações na fiscalização e investigação criminal relativa aos estrangeiros?
A investigação criminal do SEF, que é essencialmente o tráfico de seres humanos e o auxílio á imigração ilegal, nunca foi de competência exclusiva. A Polícia Judiciária teve sempre a hipótese e o direito de fazer investigação nessa área. A lei foi pensada assim porque o SEF era quem dispunha de mais informação, era quem estava mais ligado a esta aérea, e quem melhor podia coadjuvar o Ministério Público neste tipo de crimes. A razão foi essa.
Até posso admitir que a Polícia Judiciária vá agora criar um sector próprio para a investigação ao trafico de seres humanos e ao auxílio á imigração ilegal, se calhar até já o tem, não sei, mas de qualquer maneira não vejo inconveniente nenhum que o SEF continuasse a encabeçar este tipo de processos, mesmo que outras forças também possam fazer as suas averiguações nesta área. Provavelmente, quando lhe chegavam casos destes, o Ministério Publico delegava exatamente no órgão de polícia criminal que lhe parecia mais habilitado a fazer estas investigações. Qual era? O SEF.
Não acredita então no sucesso desta reforma?
Não. Essa dispersão podia ser feita num quadro muito diferente, que não este... em que houvesse uma revisão completa no quadro do sistema de segurança interna português, que já é bem antigo, muito velhinho. E que carece realmente de alguma alteração.
Se houvesse uma direção nacional de polícia que abrangesse uma serie de departamentos de si dependentes, desde a investigação criminal, às fronteiras, até á própria informação criminal, se se conseguisse fazer isso, tudo bem. Agora, num quadro como o nosso, com a dispersão que ele tem, cada capelinha tem uma chefia, eu julgo que tudo isto vai gerar confusão. Imagine um serviço que se parte ao meio, e um bocado fica para o ministério da Justiça, outro bocado vai para o ministério da administração interna, e por sua vez dentro da administração interna uma parte vai para a PSP, outra parte para a GNR. Não estou a ver como é que isto vai funcionar.
Mas, sinceramente, julgo que melhor não fica. Disso estou convencido: melhor não fica.
Portugal vai este ano ser alvo de uma inspeção do mecanismo de avaliação Shengen. A extinção do SEF será naturalmente notada.
Julgo que numa avaliação desse tipo, Portugal será com certeza chamado á atenção para alguma diminuição da eficácia de controlo das fronteiras. A dispersão de competências, nunca é positiva.
Embora o Governo garanta que esta reforma foi lançada porque estava no seu programa, no de 2019, tornou-se voz corrente que surgiu para resolver o problema do cidadão ucraniano morto no aeroporto de Lisboa. Acha que foi por isso que a extinção avançou?
Não compreendo como é que um caso isolado, se bem que muito lamentável, possa levar à extinção de um serviço. Sinceramente recuso-me a acreditar nisso, porque se não já não existia nenhuma força ou serviço de segurança em Portugal. Já todos tiveram casos lamentáveis, e alguns bem mais graves até.
A sequência temporal leva a crer que esse tenha sido o primeiro passo para o fim do serviço, tudo parece indicar isso, mas eu não quero acreditar que isso seja possível.