O secretário de Estado das Finanças disse esta sexta-feira à Renascença que decisões como a que terá sido tomada por Vítor Constâncio enquanto governador do Banco de Portugal sobre a atribuição de créditos pela Caixa Geral de Depósitos (CGD) "têm de ser explicadas e justificadas".
Sobre a alegada autorização de Constâncio para que a CGD emprestasse 350 milhões de euros ao empresário madeirense Joe Berardo, Ricardo Mourinho Félix prefere ficar em silêncio.
"O caso concreto não merece nenhum comentário especial, porque não o conheço e, portanto, tudo o que pudesse dizer seria sem base em informação concreta, para além de que o Governo não comenta obviamente as decisões dos supervisores", começou por dizer à Renascença.
Ainda assim, o secretário de Estado diz que "as decisões que foram tomadas em tempo têm de ser justificadas, explicadas, entendidas e percebidas sobre porque é que foram decididas dessa forma".
"Os supervisores, como disse, são independentes e sendo independentes têm a sua liberdade para decidir aquilo que é o melhor interesse do país", ressalta Mourinho Félix. "É fundamental que haja cooperação e um entendimento comum que salvaguarde a estabilidade financeira como um todo e não a de cada subsetor do setor financeiro em particular."
As declarações foram recolhidas pela Renascença no Parlamento depois de o PSD, Bloco de Esquerda, PCP e CDS terem manifestado a sua intenção de voltar a ouvir Constâncio na comissão parlamentar de inquérito à recapitalização da CGD.
Partidos querem nova audição a Constâncio
Em março, Vítor Constâncio disse no Parlamento que não tinha conhecimento da operação, mas o jornal “Público” avança esta sexta-feira que as atas do supervisor indicam o contrário.
"Perante este facto, o PSD não hesita um segundo em chamar de novo o Dr. Vítor Constâncio à comissão", afirmou o deputado social-democrata Duarte Pacheco.
Na altura em que foi ouvido, Vítor Constâncio omitiu do Parlamento que, em 2007, autorizou o investidor José Berardo a levantar 350 milhões da Caixa Geral de Depósitos (CGD) para comprar ações do BCP.
Além disso, o antigo governador disse não se lembrar se recebeu, em 2002, uma carta de Almerindo Marques a alertar para problemas na Caixa Geral de Depósitos (CGD), uma posição que voltou a reforçar esta tarde na sua conta de Twitter, numa publicação em inglês.
"Não fui questionado sobre isto e ainda estou a investigar. Não me lembro de nada como isto há 15 anos e normalmente o supervisor (enquanto instituição) não interfere em operações tão concretas desta natureza", escreveu em resposta a um outro tweet.
A 28 de março, na Comissão Parlamentar de Inquérito à gestão da CGD, o ex-governador tinha sublinhado que, "como é óbvio", por ser "impossível", o BdP não podia saber que a Caixa ia financiar Berardo antes da atribuição do crédito ao empresário madeirense.
"Claro que [o Banco de Portugal] só tem conhecimento delas [operações de crédito] depois [de os bancos as efetivarem]", disse em resposta aos deputados. "Como é óbvio! É natural. Essa ideia de que [o BdP as] pode conhecer antes é impossível!"
Vítor Constâncio terá agora oportunidade de "reavivar a sua memória" e também de "esclarecer o que começam a ser alguns indícios", afirmou Duarte Pacheco.
"Se não esteve o Banco de Portugal e o próprio dr. Vítor Constâncio no coração do assalto ao BCP, isso também tem de ser esclarecido de forma clara e direta", apontou o social-democrata.
Além de nova audição de Constâncio, BE e PCP anunciaram que vão pedir o acesso às atas das reuniões do Conselho de Administração do Banco de Portugal.
"O BdP tem uma cultura de convivência com práticas bancárias absolutamente irresponsáveis nestes últimos anos", acusou a deputada do Bloco Mariana Mortágua, considerando que "a política de opacidade" do banco central apenas serve para "o proteger da sua incompetência".
Para a deputada do BE, a notícia do “Público” revela que "é quase impossível que Vítor Constâncio não soubesse o que se estava a passar e falso que o BdP não tivesse o conhecimento antecipado" do crédito concedido a Joe Berardo.
"Vítor Constâncio tem de voltar à comissão de inquérito e explicar porque mentiu quando disse que era impossível ter conhecimento antecipado e porque disse não se lembrar de uma operação tão importante como a concessão de crédito de 350 milhões de euros a Joe Berardo para controlar o BCP", acusou.
Pelo PCP, o deputado Duarte Alves considerou que, a confirmarem-se as informações hoje reveladas, a resposta que Vítor Constâncio deu à Comissão, em resposta a uma pergunta do PCP, "não corresponde à verdade".
"O PCP, aquilo que fará, é pedir desde já ao BdP todas as atas do conselho de administração em que haja referência a operações deste género, em que um banco empresta para compra de ações de outro banco, e uma nova audição ao dr. Vítor Constâncio", concretizou.
Em declarações exclusivas à agência Lusa, o líder parlamentar do PS, Carlos César, considerou "indispensável que a Comissão de Inquérito à Caixa volte a questionar Vítor Constâncio, mas também o então vice-governador do Banco de Portugal, Pedro Duarte Neves", face à "omissão inexplicável dos seus depoimentos".
CDS fala em “contornos criminais”
A deputada centrista Cecília Meireles defende que, caso se comprove que o antigo governador do Banco de Portugal mentiu à comissão parlamentar, o caso deve ser entregue ao Ministério Público, porque "tem contornos criminais".
"As pessoas não podem vir mentir às comissões de inquérito", defendeu a vice-presidente do partido e da bancada do CDS, em declarações aos jornalistas.
"Caso se comprove que mentiu, deve enviar-se imediatamente para o Ministério Público, porque o caso tem contornos criminais", afirmou, acrescentando que "quase todas as contas" que os portugueses andam hoje a pagar relativas aos bancos "têm a sua raiz na supervisão Vítor Constâncio".