Não deverá haver dor maior nas andanças do futebol do que esta de ser goleado por um grande rival. Não é assim tão raro também, vê-se sempre pelo mundo fora esses pedaços de pecado ou céu, consoante os olhos. Depois há o raro caso de Michael Laudrup, por exemplo, que esteve em dois 5-0 em duas épocas consecutivas no clássico espanhol, sendo que esteve sempre do lado certo da história.
No domingo, ainda com as feridas sangrentas depois do dérbi da Taça de Portugal, o Benfica voltou a sofrer uma derrota pesada com o FC Porto. Não é preciso puxar muito pela cabeça para lembrar quando é que tal aconteceu.
Em 1996, foi no Estádio da Luz, imagine-se. O Porto era campeão e o Benfica tinha ganhado aquela trágica final do Jamor. No dia 18 de setembro, as equipas de Paulo Autuori e António Oliveira entraram em campo para decidir a Supertaça. Artur marcou logo aos 3’. Depois, Edmilson e Jorge Costa levaram o marcador para o 3-0.
Preud’homme, Bermúdez, Valdo e João Vieira Pinto não sabiam como travar a rapaziada do outro lado. Zahovic dava o pãozinho aos colegas e Conceição, o número 7, ia sendo Conceição. Wetl fez o 4-0 e a Luz corou de vergonha. Mas aquelas gentes das Antas não tinham piedade e continuaram: Drulovic, 5-0.
O Benfica já ia vivendo o tal “vietname”, o período mais negro da sua história. O FC Porto ia vestindo um penta. No final dessa temporada 1996/97, os dragões terminaram a temporada em primeiro, com 85 pontos, muito longe de Sporting (72) e Benfica (58). Jardel fez 30 golos. Na Liga dos Campeões, a equipa de Oliveira caiu apenas nos quartos de final, contra o Manchester United, depois de um 4-0 avassalador no Old Trafford.
Já os lisboetas, que ficaram longe longe longe do rival do norte, caíram nos ‘quartos’ da Taça das Taças, contra a Fiorentina de Rui Costa e Stefan Schwarz.
Esta espécie de maldição, que aparentemente acontece a cada 14 anos (1996, 2010 e 2024), voltou a dar-se porém desta vez numa época dourada do Benfica (foi um clássico cheinho de curiosidades). Já campeões nacionais, com o tal rolo compressor de Jorge Jesus, Aimar e companhia iam espalhando magia pelos relvados. Para travar essa lengalenga, Pinto da Costa apostou em André Villas-Boas.
O futebol dos dragões transformou-se em algo vistoso, impecável, elegante e artístico, mantendo aquela fome do costume. No dia 7 de novembro de 2010, a contar para a jornada 10 da Liga, Hulk, Moutinho, Belluschi e Falcao passaram por cima dos visitantes que usam a farda encarnada e que também tinham um central a defesa esquerdo (David Luiz). Aos 29’ estavam 3-0. Luisão, tal como agora com Nicolás Otamendi, foi para a rua quase a 20 minutos do fim. Hulk bisou depois nos últimos 10 minutos e o Dragão testemunhou mais um 5-0 épico.
Uns anos depois, Villas-Boas, que agora é candidato à presidência do FC Porto contra Pinto da Costa, disse que o Benfica “sentiu medo”.
A ressaca dessa época é elucidativa e o clássico ajudou a marcar as diferenças, quando o universo benfiquista vivia um certo deslumbramento. Mais uma vez, o FCP foi campeão e com muita distância, com mais 21 pontos do que o Benfica e 36 do que Sporting. Hulk, tal como Jardel noutra vida, foi o melhor marcador com 23 golos, mais sete do que Radamel Falcao e João Tomás.
Na Europa, correu tudo às mil maravilhas para os nortenhos, com a vitória na final contra o SC Braga. Falcao fez um golo maravilhoso. O espectáculo do costume foi ainda vislumbrado no Jamor, com um 6-2 contra o Vitória de Guimarães. James Rodríguez fez três golos.
O Benfica, que já havia perdido a Supertaça contra o FC Porto, caiu na Taça de Portugal, na semifinal, contra os dragões. Na Liga dos Campeões, os senhores da Luz não foram além da fase de grupos, enquanto na Liga Europa a desilusão chegou apenas na meia-final, contra o Braga de Domingos Paciência.
O que resta da temporada 2023/24 é difícil de antecipar, mas este foi talvez o clássico de chapa 5 que mais surpreende, pois o momento das equipas, pouco animador, não fazia prever tal coisa. Afinal, o Porto tinha apenas 38 golos marcados em 23 jornadas e o Benfica, ainda que numa constante intermitência, seguia na liderança da Liga com mais nove pontos que o rival.
Agora, uns ganham nova vida e podem correr atrás de algo mais com outra leveza, enquanto os outros tentam afastar as nuvens. O futebol é isto, não é assim que dizem?