Afeganistão. “O mínimo da decência é que a Europa abra as portas aos afegãos”, diz Ana Gomes
16-08-2021 - 07:30
 • Paula Caeiro Varela , Marta Grosso , João Cunha

Os talibãs tomaram o país e o caos instalou-se, sobretudo no aeroporto, onde milhares de pessoas tentam arranjar maneira de ir embora. Acaba assim a mais longa guerra em que os EUA se envolveram.

A antiga eurodeputada Ana Gomes, que integrou várias missões do Parlamento Europeu ao Afeganistão, considera que o regresso dos talibãs ao poder pode representar uma ameaça à segurança internacional e defende que o mínimo que a Europa pode fazer é abrir as portas a estes refugiados.

“O mínimo dos mínimos da humanidade e da decência é que a Europa abra as portas aos refugiados afegãos que vierem e reconheça que o Afeganistão não é uma 'safe zone', como costumam dizer; é um país de extraordinário risco, de terríveis violações dos direitos humanos em guerra”, afirma à Renascença.

Ana Gomes considera que “não haverá tantos [refugiados] como da Síria” e sublinha que “os requerentes de asilo do Afeganistão são refugiados, têm direito a refúgio na Europa”.

No seu entender, “a Europa tem particular responsabilidade, porque vários países europeus, incluindo o nosso, estiveram lá envolvidos nas missões da NATO e com os americanos e, portanto, têm responsabilidades em relação a muita muita gente afegã que colaborou com os nossos”.

Ana Gomes lembra que os direitos das mulheres e minorias voltam a estar mais ameaçados e recorda algumas das coisas que viu quando visitou o país, em 2008.

“Mais de metade da população presa no Afeganistão eram mulheres e não eram obviamente criminosas, eram mulheres que eram presas pela polícia afegã – que supostamente estava a ser treinada por nós – na base de terem fugido de famílias opressivas, de maridos e famílias opressivas, com os casamentos arranjados, etc”, começa por dizer.

Recorda depois “uma das coisas mais sinistras que visitei na vida: um hospital para mulheres em Herat, sobretudo para mulheres queimadas, a maior parte delas horrivelmente queimadas. Eram mulheres que tinham tentado suicidar-se face às condições opressivas em que viviam à mercê dos maridos e sobretudo das famílias dos maridos. Esta era a situação no Afeganistão em 2008 e eu acho que não melhorou, pelo contrário”.

Agora que os talibãs recuperaram o poder no país, a antiga eurodeputada teme que a situação “vá gravemente deteriorar-se, em particular para as mulheres, para as crianças, como já estamos a ver imagens, e para as minorias”.

Ana Gomes considera também que não pode excluir-se um aumento de terrorismo e uma ameaça à segurança internacional. Defende, por isso, que as potências da região, bem como a China e a Rússia, devem ser chamadas a uma solução que minimize o perigo.

“Eu penso que, mais do que nunca, um esforço que envolva potências da região é fundamental para de alguma maneira controlar os talibãs, mas penso que aqui a articulação com a China, a Índia e o Paquistão e com o Irão e a própria Rússia, vai ser absolutamente essencial e eu suponho que é nesse sentido que se encaminha a atual administração de Joe Biden”, refere.

No domingo, depois de duas décadas, terminou no Afeganistão aquela que foi a mais longa guerra em que os Estados Unidos se envolveram, mas não com a melhor imagem para a América.

O Presidente afegão, Ashraf Ghani, fugiu de Cabul – para, ao que referiu, evitar um banho de sangue no país – e refugiou-se no Tajiquistão.

Nesta segunda-feira, nas redes sociais, circulam imagens de caos no aeroporto, com uma corrida desenfreada aos terminais de voo de milhares de residentes e estrangeiros que tentam abandonar a capital afegã.


A bandeira norte-americana já foi retirada da embaixada dos Estados Unidos em Cabul, numa altura em que praticamente todos os funcionários diplomáticos estão no aeroporto, à espera para sair.

O Conselho de Segurança das Nações Unidas reúne-se de emergência para debater a situação no Afeganistão, a pedido de vários líderes internacionais, entre eles o primeiro-ministro britânico.