O julgamento do homicídio do cidadão ucraniano Ihor Homeniuk prosseguiu esta quarta-feira com a audição do inspetor Filipe Cardoso, a terceira testemunha a ser ouvida nesta segunda sessão do julgamento, que chegou à sala de audiência acompanhado por um advogado.
“Quando entro na sala [durante a madrugada de dia 12] ele está no chão, em cima do colchão, manietado de pés e mãos com fita adesiva castanha usada par selar caixas. Mãos presas à frente e ele deitado de barriga para cima”.
“Peguei nas minhas chaves pessoais e abri as fitas adesivas e confrontei o vigilante que referiu que ele estava irrequieto e se tornou agressivo para ele e os outros e por isso tinha feito aquilo”, disse, acrescentando que “o segurança foi evasivo na resposta”.
O inspetor explicou que se dirigiu ao Centro de Instalação Temporária para instalação de um passageiro e que, juntamente com o colega, decidiram ir ver como estava o passageiro ucraniano.
“Quando entrei a sala não tinha nada. Os seguranças disseram que se andava a atirar contra as coisas”.
O inspetor admite que ele próprio não fez qualquer relatório sobre o procedimento anómalo dos vigilantes e garante que deixou o reparo, “não façam essa contenção com fitas e tentem usar lençóis porque permite à pessoa movimentar-se”.
Perante a situação, o inspetor garantiu, “eu atei o passageiro com lençóis descartáveis na zona dos pulsos e da cintura juntamente com o colchão”.
A testemunha referiu que esteve não mais que cinco minutos nesta ocorrência e não voltou a ter contacto com o caso.
Ihor Homeniuk “Tornou-se agressivo”
Bruno Antunes, há quatro anos no SEF, esteve com a vítima nos dias 10 e 11 de março. “Ele tornou-se agressivo e chegou a cravar unhas no meu colega e fez-lhe sangue. Tivemos de o algemar à frente. Ele começou a falar de forma agressiva com outros passageiros que lá estavam”. A testemunha referiu que o cidadão ucraniano estava com “atitudes imprevisíveis, parecia que lhe faltava alguma coisa”.
Este agente acompanhou o cidadão ucraniano ao Hospital de Santa Maria na sequência de um aparente ataque de epilepsia. “Fez exames e esteve sempre calmo”. A comunicação, essa, era por gestos ou com recurso a chamada telefónica para uma colega de origem russa.
Quando levado para o CIT, diz a testemunha, “tornou-se agressivo e cravou unhas e fez sangue no meu colega. Acabámos por algemar com as mãos à frente. Ele começou a falar de forma agressiva com outros passageiros que lá estavam”.
Levaram-no para a sala Médicos do Mundo, diz Bruno Antunes, e “os vigilantes limparam tudo para ele não se magoar e depois de algemado ficou um pouco mais calmo”. Garantiu que o vigilante lhe deu medicação, após isso ficou mais calmo e quando o inspetor abandonou a sala a vítima ficou sem algemas, no colchão.
Bruno Antunes diz que abandonou o CIT pouco depois da meia noite de dia 11 de março.
Ihor Homeniuk morreu enquanto estava na custódia do SEF, em março de 2020. A autópsia revelou indícios de espancamento e tortura.
Três inspetores daquela força policial, Bruno Sousa, Duarte Laja e Luís Silva, estão em prisão domiciliária desde a sua detenção em 30 de março e são acusados de terem matado Ihor Homeniuk depois de o cidadão ucraniano tentar entrar ilegalmente em Portugal em 10 de março.
Segundo o Ministério Público, as agressões cometidas pelos inspetores do SEF, que agiram em comunhão de esforços e intentos, provocaram a Ihor Homeniuk "diversas lesões traumáticas que foram a causa direta" da sua morte.
Posteriormente, a Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI) instaurou mais oito processos disciplinares a elementos do SEF na sequência do inquérito que apurou as circunstâncias da morte do cidadão ucraniano.
Este assunto suscitou forte contestação política, com alguns partidos com assento parlamentar a exigirem consequências políticas como a demissão do ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita.
A então diretora do SEF acabaria por se demitir do cargo, meses após os acontecimentos que vitimaram o cidadão ucraniano.