​Aldina Duarte: "O fado tem de ser maior do que eu quando o canto"
14-10-2017 - 10:10
 • Maria João Costa

O luto de uma história de amor levou a fadista a criar o seu novo disco. “Quando se Ama Loucamente” é também um tributo à escritora Maria Gabriela Llansol.

Estava uma tarde de Verão no Outono. Sentamo-nos num banco do Jardim da Estrela, em Lisboa, com Aldina Duarte para conversar sobre o disco “Quando se Ama Loucamente”. O novo trabalho da fadista nasceu do luto de uma história de amor, mas há uma luz no rosto de Aldina Duarte que não deixa perceber o sofrimento que está na voz dos fados que compõem o disco.

O novo trabalho de Aldina Duarte nasceu a partir de um fado que Manel Cruz, vocalista dos Ornatos Violeta, escreveu para a fadista. “Foi há dois anos”, recorda Aldina. Foi ao e-mail, “como de costume, de manhã”, e de presente tinha um tema gravado “pelo Manuel Cruz, com ele a cantar com teclado” e no tom de Aldina Duarte.

Na caixa de correio vinha a frase “fiz mesmo para ti”. No entanto, a fadista vivia um mau momento da sua vida pessoal e não teve “o entusiasmo para entrar no processo criativo”. Foi com a ajuda de Pedro Gonçalves (Dead Combo) que voltou ao tema “Quanto se Ama Loucamente”, que dá título ao disco. “Passado o tempo necessário”, explica Aldina Duarte, despertou “para a vida” e o tema que lhe tinha sido oferecido trouxe-lhe “uma luz”.

“Quando se Ama Loucamente” teve outros efeitos secundários em Aldina Duarte. “Provocou em mim a necessidade de escrever que nunca tinha tido até hoje”, admite a fadista. Meteu mãos à obra. “Quis comprometer-me com a escrita”, confessa.

Escolheu cada fado, procurou aqueles que menos tinham sido cantados ou que tinham menos letras e escreveu. A inspirá-la teve a obra literária de escritora Maria Gabriela Llansol a quem faz um tributo no novo disco. A leitora Aldina compara a obra de Llansol com um túnel: “tem um lado obscuro e misterioso, mas é sempre luminosa”.

O fado “não cura”, diz Aldina Duarte, que neste disco conta uma história “muito íntima e intensa”, vivida na primeira pessoa, e que por isso só ela a poderia escrever. Aldina Duarte descreve a sua “relação estranha com o fado” desta forma: “se eu estiver em pleno sofrimento, cantar faz-me mal. Faz-me chafurdar. É como se estivesse a esgravatar uma ferida e não é bom para mim, nem para o fado que estou a cantar, porque o fado tem de ser maior que eu quando o canto.”

Questionamos se este é um disco “mais verdadeiro” do que os outros. Aldina Duarte responde: “não é mais verdadeiro, mas é mais real” porque “aquela história valia a pena e voltava a repeti-la”, diz, “mesmo que tivesse de passar por aquele sofrimento terrível”.

Com os sinos da Basílica da Estrela a tocar em fundo, a fadista fala dos outros cúmplices deste disco, desde logo o artista plástico Pedro Cabrita Reis a quem deu a ler os fados que escreveu e que assina a aguarela que ilustra o texto da escritora Hélia Correia que está dentro do disco.

A capa que mostra Aldina Duarte a emergir da água é da fotografa Isabel Pinto. “Numa altura em que os discos quase não se vendem, este disco é um bom exemplo de como o digital nunca poderá ultrapassar um objecto destes.”