"Tem de ser a Ucrânia a dialogar com quem a agrediu"
15-03-2022 - 14:33
 • Henrique Cunha

D. Manuel Linda, em entrevista à Renascença, considera que não existem condições para o Papa Francisco ir a Kiev e pede bom senso na negociação, “para que o problema nuclear não se ponha”.

Nesta altura da guerra não há condições para o Papa Francisco se deslocar à Ucrânia, afirma o bispo do Porto, D. Manuel Linda, em entrevista à Renascença.

D. Manuel Linda diz que “o Papa pode ir lá e mostrar que está presente junto do sofrimento dos feridos e dos que perderam as suas casas”, mas afirma que Francisco “não pode fazer a mediação com quem iniciou a guerra”.

“Isto não é tarefa do Papa, tem de ser a própria nação ucraniana nos seus representantes a dialogar com quem agrediu”, sublinha.

O bispo pede bom senso na negociação, “para que o problema nuclear não se ponha”, porque “estamos em presença de agressores que são absolutamente ferozes”.

Em entrevista à Renascença, D. Manuel Linda explica também como é que a Diocese do Porto está a acolher refugiados da guerra, admitindo a possibilidade de, “em caso de extrema necessidade”, o seminário do Bom Pastor receber mais do que 75 pessoas, que é o limite atual “da capacidade instalada”.

Como é que surgiu esta possibilidade de parceria com a Segurança Social para o acolhimento de refugiados da guerra na Ucrânia?

Inicialmente, estávamos a pensar que éramos nós apenas que oferecíamos condições de alojamento e alimentação. Entretanto, a Segurança Social ofereceu-se também para ela própria entrar e subsidiar as despesas mais básicas, pondo claro as suas exigências.

A obra diocesana entendeu que era razoável e, portanto, é nesta relação multipartida - diocese com a obra diocesana - a Segurança Social e inclusivamente as duas ordens profissionais ligadas à saúde - Ordem dos Médicos e Ordem dos Enfermeiros que vamos trabalhar.

Foram criados protocolos com essas ordens profissionais?

Sim, foi o próprio responsável da Ordem dos Médicos, aqui no Norte, que teve a amabilidade de contactar com a Ordem dos Enfermeiros. A senhora bastonária telefonou-me dizendo exatamente que sim, que estava na disposição de alinhar e, portanto, está tudo programado para que os refugiados que nos cheguem tenham também acesso às melhores condições de saúde, bem precisam!

Neste caso estamos a falar, por agora, de uma família, mas o espaço que foi de retaguarda Covid, tem a capacidade para albergar até 75 pessoas?

Neste momento, está instalada uma capacidade de cerca de 50, mas podem ir até às 75. E, claro, temos outros pavilhões, mas não estão em boas condições. Entretanto, no caso de extrema necessidade poderíamos ver o que é que se poderia fazer naquele caso.

Esta é a forma solidária de a Igreja também dizer presente nesta guerra?

É óbvio. Nós vimos de uma solidariedade muito ativa, que é exatamente fazer daquele pavilhão um hospital de retaguarda para a Covid, e, portanto, vimos de uma ação de solidariedade e estamos noutra que as circunstâncias exigem.

De facto, esta guerra que nós não estávamos a prever é das coisas mais tristes que a Humanidade experimenta nestes tempos recentes e, então, é o nosso contributo possível, é exatamente acolher refugiados. E fazemo-lo com gosto no sentido humano. Com tristeza no sentido daquilo que os motivou, isto é, terem de abandonar a sua terra exatamente por causa da guerra.

No que diz respeito à diplomacia pouco mais a Santa Sé poderá fazer nesta altura?

Eu não sei quem é que possa fazer alguma coisa! Nós estamos a lidar com pessoas, mas com pessoas que muitas vezes estão obcecadas por ideias que nós não entendemos minimamente. E não só não se consegue chegar junto dessas pessoas como muito menos ainda retirar as suas ideias de violência para incutir ideias de paz.

A Santa Sé, que é especialista num trabalho muito sério e escondido - não faz fotografias sem mais nem menos para demonstrar que realizou esta ou aquela ação -, estará, imagino eu, a trabalhar afincadamente neste campo. Vamos ver se consegue algum resultado positivo.

O ex-ministro João Soares disse que a ida do Papa à Ucrânia teria forte impacto. Nesta altura, não há condições para tal?

Não. Porventura colhia muitos louros à escala internacional, mas isso não redundava em benefício para o tema da paz. Não. O grande problema neste momento é: iniciou-se perfidamente uma campanha militar, de guerra declarada, de guerra aberta contra uma nação. Quem a iniciou não quer retirar sem mais nem menos, sem colher alguns dividendos. Talvez o mundo Ocidental tenha de engolir algum sapo e dar-lhe alguma coisa. Não tanto como ele reclama. Mas dar-lhe qualquer coisa, mas não pode ser o Papa a fazer essa negociação.

O Papa pode ir lá e mostrar que está presente junto do sofrimento dos feridos, dos que perderam as suas casas, mas não pode fazer a mediação com aquele que iniciou a guerra, no sentido de dizer: “Queres qualquer coisa? Leva isto ou leva aquilo”. Isto não é tarefa do Papa. Tem de ser a própria nação ucraniana nos seus representantes a dialogar com quem a agrediu.

E que avaliação podemos fazer do comportamento da comunidade internacional, e em particular da União Europeia e da NATO?

Aqui é preciso agir com muita diplomacia e com muito cuidado. Nós estamos em presença de agressores que são absolutamente ferozes e que, às vezes, não hesitam em eles serem próprios serem atingidos pela guerra e, portanto, morreram, e levarem consigo não só 10 ou 15 pessoas, mas porventura levarem a Humanidade inteira ou grande parte da Humanidade.

Estou-me a referir ao problema nuclear. Para que o problema nuclear não se ponha é preciso agir com paninhos, é preciso ter muito cuidado. Firmeza na reafirmação dos direitos humanos, e no direito à independência e autonomia do povo ucraniano, mas também muitos cuidados porque estamos a lidar com agressores ferozes, absolutamente ferozes.

Nessa perspetiva então, a comunidade internacional, do seu ponto de vista, tem agido com bom senso?

Não sei, não quero fazer comentários porque eu não conheço tudo o que se passa nos bastidores. Uma coisa é certa, de facto a comunidade internacional, mesmo na liderança da NATO, não tem tido uma liderança forte. E nos tempos que precederam esta guerra não houve uma posição clara, distinta que congregasse as vontades dos ocidentais. Não obstante uma coisa é aquilo que se sabe, outra coisa é aquilo que não se sabe. E eu parto do princípio que isso que não se sabe mostrará muita diplomacia, muita tática, muito cuidado na liderança com quem iniciou esta guerra de agressão.