Nesta semana deverá ocorrer a décima vaga de greves e manifestações violentas em França. Já aqui comentei a tradição francesa de contestar, na rua, medidas impopulares. Desta vez, a subida gradual até 2030 da idade legal para a reforma de 62 para 64 anos nem parece merecer tanta contestação, uma vez que essa idade é a segunda mais baixa na Europa comunitária. Além disso, a contestação em curso em França revela-se muito violenta, mesmo pelos padrões habituais naquele país.
Na última vaga de greves e manifestações, em cerca de 300 cidades francesas, mais de 400 polícias ficaram feridos em confrontos com os manifestantes, muitos dos quais assaltaram edifícios institucionais, partiram vidros de montras, bloquearam refinarias, incendiaram caixotes do lixo – e em Bordéus tentaram incendiar a Câmara municipal. A situação é tal que teve que ser adiada a visita oficial a França do rei Carlos III de Inglaterra.
Nas últimas décadas vários governantes franceses tiveram que desistir das reformas que propunham por causa da hostilidade da “rua”. Macron decidiu não desistir, insistindo em que o poder deve ser exercido pelos representantes eleitos pelo povo e não pela “rua”. É de louvar esta corajosa defesa da democracia representativa. Mas Macron não conseguiu convencer os seus compatriotas da justeza da medida que quer concretizar.
Ora a legitimidade das medidas que um governo toma deve ser acompanhada de alguma sintonia com a opinião pública. Não defendo a democracia direta, mas chamo a atenção para a opinião pública em democracia, que não é irrelevante. A reação violenta dos franceses á alteração da idade legal da reforma também foi acentuada pelo facto de a futura lei não ter passado pela Assembleia Nacional, onde Macron não tem maioria. O presidente francês nada fez de ilegal, mas não foi um político sagaz.
Creio não exagerar se disser que a hostilidade de grande parte dos franceses é, agora, tanto contra a subida da idade da reforma, como contra a personalidade de Macron, que lhes aparece como altiva e arrogante. Macron prometeu mais do que uma vez que mudaria de estilo, mas não mudou. O que é compreensível, mas tem um preço político pesado.