O Governo aceitou “a esmagadora maioria” das propostas do PSD, nas negociações dos acordos, garante Castro Almeida em entrevista à Renascença e ao Público.
Deixe-me ir à questão dos fundos europeus, que foi a negociação onde participou mais. Uma das matérias em que chegaram a acordo foi arranjar novas receitas para a UE, nomeadamente relativamente à criação de novas taxas europeias. Não estão aqui a facilitar a vida a António Costa, dando-lhe acordo sobre novas taxas?
De maneira nenhuma. O problema de Portugal neste momento, que ajudámos a resolver, é o seguinte: a Europa vai ficar sem as receitas do Reino Unido, que era um contribuinte importante. São cerca de 12 mil milhões de euros que a Europa vai ter a menos. Por outro lado, a Europa vai querer gastar mais em Defesa e Segurança. Vai ter mais despesa e menos receita. O que aconteceria em condições normais é que a Europa iria cortar nas verbas dos fundos de coesão. O que o Governo de Portugal e o PSD vão dizer à Europa, em uníssono? Que nós não queremos diminuir os fundos da política de coesão, mas estamos disponíveis para apoiar soluções que garantam que a UE vai ter um aumento dos seus recursos próprios, através de um aumento das dotações dos estados-membros e através da criação de taxas novas - estamos a falar das grandes empresas...
A política fiscal tem sido vista, até agora, como matéria de reserva política dos estados. Até que ponto se pode ir nesse caminho?
Deixe-me primeiro concluir aqui: não tenha medo do que Portugal manda para a Europa, porque estamos a receber o dobro do que mandamos. Se Portugal mandar mais 500 milhões de euros, receberemos o dobro do que mandamos. É um bom negócio. Sobre a questão dos impostos, está escrito no acordo que existe soberania fiscal dos estados-membros. O PSD é muito claro nesse ponto: nós não concordamos com a criação de impostos europeus.
Não acha que a UE vai ter um dia de caminhar para aí?
No dia em que for votar para o Parlamento Europeu e tiver o receio de que os deputados eleitos vão para Bruxelas lançar impostos sobre os seus rendimentos, você nesse dia desliga-se afetivamente da Europa e deixa de votar nos deputados europeus. A soberania fiscal deve estar nos parlamentos nacionais. São muito mais próximos, muito mais sindicáveis.
A ideia de criar estas taxas vem da Comissão Europeia. E os quatro eixos principais para a aplicação dos fundos também incorporam, neste acordo, aquilo que o Governo tinha avançado. Luís Montenegro perguntava: o que é que o PSD conseguiu nesta negociação?
Eu não creio que seja muito adequado estarmos a dizer qual é o ganho de cada partido - ou do Governo e do PSD - nesta negociação. O texto final é o texto que tem o acordo das duas partes. Agora, posso garantir-lhe que o PSD deu inúmeras contribuições para o texto final.
E o Governo aceitou sempre de boa fé essas contribuições?
O Governo aceitou muitas delas, eu diria que a esmagadora maioria. Fez outras propostas que nós aceitámos em elevadíssimo número, não aceitámos outras como é normal numa negociação. Mas o texto final é um texto que reflete o pensamento das duas partes. Mas não tenho dúvida nenhuma: o texto final ganhou muito com a participação do PSD. Tenho a certeza de que se perguntar isto ao ministro Pedro Marques, que ele confirmará o que lhe estou a dizer.
O acordo sobre a descentralização seria talvez mais fácil de fazer, dado que já havia caminho andado. Foi presidente de câmara, estamos a falar de descentralização ou só de transferência de competências e de dinheiro?
O documento prevê duas fases distintas. Uma é a da municipalização, transferir competências e recursos financeiros para as câmaras. Essa é a fase que vai ficar concluída nesta legislatura. E depois estabelece-se uma metodologia também para uma fase nova, que será para a outra legislatura, que tem a ver com a transferência de competências para um cenário supramunicipal - para áreas metropolitanas, associações de municípios e para as CCDR. Esse é um processo que passa a ter um guião, um roteiro.
O estudo que será feito pelas universidades, pelos técnicos independentes de que fala o acordo, é aberto o suficiente para que possa ser estudado também o cenário da regionalização?
Sim, eu acho que é sem reservas. O estudo técnico é um estudo técnico. E depois os políticos é que são responsáveis pelas opções políticas.
Para o PSD isso não é um tabu.
E esse estudo haverá de fazer uma avaliação comparada de como é que noutros países estas questões são tratadas, como se é que se governam grandes aglomerações urbanas.
Perguntava eu se para o PSD a regionalização não é questão tabu. Se não está vedado este cenário numa próxima legislatura.
Não é uma questão tabu, queremos tomar boas decisões políticas na base de um trabalho técnico que vai ser feito.
Logo a seguir a essa comissão avançar com a proposta teremos eleições. Significa que PSD e PS terão, nos seus programas, neste ponto em concreto, propostas idênticas?
Não. Não necessariamente. Repare, nós só nos pusemos de acordo em fazer o estudo técnico. Os técnicos vão fazer propostas - e depois os políticos farão escolhas e opções políticas. E essas vão responsabilizar cada um dos partidos, autonomamente.
E uma revisão da lei eleitoral autárquica, que ultrapasse os atuais bloqueios? Quando António Costa era ministro e Marques Mendes líder parlamentar, chegou-se a estar muito perto de uma lei que garantisse executivos maioritários (ou até homogéneos) nas câmaras. Mas até hoje não houve um consenso. Acha que é possível agora, com estes dois líderes?
São duas questões distintas. Por um lado, saber se é ou não necessário mudar - e eu não tenho dúvida nenhuma de que é necessário mudar. A outra questão é sobre a oportunidade: é possível criar consensos ou não é possível? Eu, por exemplo, sou muito defensor de que os vereadores da oposição estejam na câmara. Mas creio que o PS é contra esta tese - e acha que os executivos devem ser homogéneos [de uma só cor]. Mas eu defendo-o por uma razão muito simples: todos nós conduzimos melhor quando vemos o carro da polícia atrás. Somos todos muito bons condutores, mas o carro da polícia modera os nossos ímpetos. E é bom para a câmara que os autarcas da oposição estejam lá dentro. Mas eu, por mim, veria com muito bons olhos se fosse possível haver um consenso que permitisse alterar a lei eleitoral autárquica.