Terminou a fase diocesana do processo de beatificação da irmã Lúcia, que vai passar para a competência directa da Santa Sé e do Papa. O anúncio foi feito esta sexta-feira pela diocese de Coimbra, onde a vidente de Fátima morreu, em 2005, e onde o processo foi aberto, em 2008.
No inquérito diocesano, que decorreu nestes anos, foram reunidos todos os escritos da irmã Lúcia, bem como os depoimentos das testemunhas ouvidas acerca da sua fama de santidade. Na data da sua morte, 13 de Fevereiro, decorrerá a sessão solene que assinala o fim desta fase do processo.
Em entrevista à Renascença, a responsável pela causa de canonização, irmã Ângela Coelho, diz que não acredita que o processo seja rápido, pelo que não haverá novidades neste ano do centenário das aparições. A decisão está nas mãos do Papa.
Terminou a fase diocesana do processo. Isto significa que está mais próxima a sua beatificação? Podemos dizer isto assim?
Sim, está mais próxima no sentido em que uma das etapas fundamentais foi concluída.
Qualquer processo de beatificação ou canonização tem duas fases, uma diocesana e outra romana. A fase diocesana é uma fase fundamental porque é aquela que nos providencia todo o material necessário para poder demonstrar a santidade de um dos seus irmãos na fé, ou seja, a vivência das virtudes em grau heróico. No caso da irmã Lúcia fomos recolhendo, ao longo destes anos, tudo aquilo que ela escreveu em termos de material não publicado, portanto cartas, o seu diário, algumas poesias, algumas notas, e também os seus livros. Foram consultados teólogos para avaliar estes escritos quanto ao seu conteúdo, sobretudo afirmar que não havia nada contra a fé e contra os costumes da Igreja, e também a personalidade da Lúcia.
Foram também ouvidas as testemunhas que nos pareceram necessárias para averiguar se a Lúcia é, ou não, um modelo de vida cristã para os seus irmãos, se reúne características de santidade.
Foi essa vasta documentação que justifica que esta fase do processo tenha demorado 11 anos?
Também. Ou seja, há sempre vicissitudes, e uma delas, que obviamente podemos entender, foi que a diocese de Coimbra passou pela transição da mudança de um bispo. Foi o senhor D. Albino Cleto quem começou a causa e depois o senhor D. Virgílio Antunes, quando chegou, pegou na causa com todo o fervor e entusiasmo.
Este processo de transição influenciou de alguma forma o ritmo de todos os processos na própria diocese, entre eles este. Mas, sem dúvida, acresce à questão da irmã Lúcia a quantidade de documentação encontrada, a quantidade de arquivos que tivemos de consultar em Portugal e no estrangeiro, nomeadamente na Santa Sé, onde Lúcia tem muita documentação. Refiro-me, por exemplo, à Congregação para a Doutrina da Fé e à Secretaria de Estado. Como sabemos a irmã Lúcia manteve uma relação epistolar com vários Papas, e toda essa documentação teve de ser investigada.
Por outro lado, com todas as questões relativas a Fátima, o segredo, a consagração, há todo um tratamento dos escritos de Lúcia na Congregação da Doutrina da Fé e essa documentação também teve de ser consultada e tratada. Só com isto estamos a falar de cerca de 12 mil páginas. E repare o que é termos um conjunto de teólogos que vai ler essas páginas todas, e cada página tem de ser lida por dois teólogos. No fundo estamos a falar de quase 30 mil páginas para serem lidas. E isso, sim, demorou algum tempo.
Estamos a quatro meses do ponto alto do centenário das aparições. Tem esperança que possa haver aqui novidades mais rápidas relativamente ao processo?
Parece-me que não. Mas uma coisa quero ressaltar, o Santo Padre pode fazer e determinar o que entender.
De uma forma normal não será possível haver nenhuma novidade durante este ano, até porque estamos a falar desta documentação, que não são só estes escritos, temos também as testemunhas que foram ouvidas, cerca de 60 aproximadamente, com os seus depoimentos que são longos, porque se trata de perguntar acerca da vida da Lúcia que foi uma vida longa. Há testemunhos que são muito grandes, e tinha de ser, é uma riqueza enorme para o processo. Portanto, estamos a falar de muitas páginas. Este trabalho quando chegar a Roma, a primeira coisa que vai acontecer é que Roma vai ter de decretar que juridicamente o processo foi válido, e só este decreto da validade jurídica do nosso trabalho, aqui na fase diocesana, só este estudo, saber se está tudo completo, vai demorar algum tempo.
Depois, e essa é a parte mais morosa, vai ter de haver uma equipa de pessoas – mas isso agora já estará dependente do Postulador Geral, já não depende aqui da vice-postulação – que transforme todo este material naquilo que nós chamamos a “positio”, a tomada de posições relativamente às virtudes, e à vida e à santidade da Lúcia de Jesus. É um trabalho que vai demorar muitos meses.
Seguindo os trâmites previstos e normais, primeiro a irmã Lúcia ainda terá de ser considerada “venerável”?
Exactamente. Após a “positio”, esse trabalho que é o tal resumo da sua vida num livro de mais fácil leitura, essa “positio” vai ser entregue a teólogos. Só quando os teólogos, após uma leitura cuidadosa, decretarem a heroicidade das suas virtudes, que é sempre assinada pelo Santo Padre, só aí, com o decreto da heroicidade das virtudes, é que Lúcia passa a ser “venerável”. Então teremos que apresentar um milagre que levará á beatificação e outro milagre que levará à canonização.
Portanto estamos a falar de um tempo muito dilatado que, para seguir os seus trâmites normais, sem dúvida não poderá acontecer este ano. Volto a repetir, o Santo Padre, porém, pode fazer tudo o que entender, não é? Estamos a falar de duas coisas diferentes, nós, a postulação, é que pensamos assim nestes tempos mais comuns.
É razoável esperar que os três pastorinhos possam vir a ser canonizados ao mesmo tempo?
Eu gostaria que fossem coisas diferentes, e digo isto até como alguém que está envolvida nas três causas. Digo-lhe com a sinceridade de quem ama muito a irmã Lúcia – porque ao longo deste tempo contactei com ela interiormente através dos seus escritos e das testemunhas, e o meu respeito pela figura de Lúcia de Jesus cresceu muito, é uma mulher extraordinária – que gostaria que este material recolhido em Roma fosse, de facto, muito bem estudado. A Lúcia tem uma vida muito complexa, não só porque viveu quase 98 anos, em diversos contextos – a sua vida atravessa praticamente todo o século XX, chegando ao XXI, sabemos quais foram as marcas do século XX, desde a Guerra Civil de Espanha, que ela viveu em Espanha, à II Guerra Mundial, à Guerra Fria…
Mesmo a nível eclesial, Lúcia viveu o Concílio Vaticano II dentro do Carmelo. Como religiosa vive duas realidades diferentes, as irmãs doroteias e o Carmelo, portanto, tem uma vida muito rica, com a complexidade própria da época histórica em que viveu, e pelo papel que ela desenvolveu junto da mais alta hierarquia da nossa Igreja, o Santo Padre.
A sua dedicação ao serviço da difusão da mensagem de Fátima também confere aos seus escritos elementos que enriquecem a sua vida, e isto tudo precisa de ser, a meu ver, bem estudado, bem trabalhado. Creio que apesar do tempo que eventualmente possa demorar no futuro, assim como este que demorou até agora, será sempre um serviço muito grande que prestamos quer à irmã Lúcia, enquanto pessoa, baptizada, irmã da nossa família que é a Igreja, mas também é um grande serviço que prestamos à própria mensagem de Fátima. Ou seja, por um lado eu gostaria que ao processo de Lúcia de Jesus fosse dedicado tempo suficiente para uma “positio” profunda e bem fundamentada, por outro lado também queria que os pastorinhos fossem canonizados mais cedo, ou seja, que não tivessem que esperar pela irmã Lúcia, digamos assim, porque são duas causas diferentes e seria interessante em duas celebrações diferentes.
E relativamente aos outros dois pastorinhos, que já foram beatificados, tem alguma novidade?
Ainda não.