Foi a noite em que António Costa e Inês Sousa Real estiveram juntos, lado a lado, na mesma sala, com dirigentes de ambos os partidos presentes, e não se ouviu falar de Orçamento do Estado (OE). Foi esta terça-feira em Aveiro, na apresentação do candidato da coligação "Viva Aveiro", que reúne PS e PAN na mesma lista e boletim de voto para as eleições autárquicas de 26 de setembro.
No Centro de Congressos, num auditório à pinha e a jogar no limite do distanciamento social imposto pela Direção-Geral da Saúde por força da pandemia, centenas de pessoas assistiram ao arranque da campanha oficial com as habituais bandeirinhas e Costa a entrar ao som de uma das áreas mais conhecidas da ópera Turandot.
Não se falou de Orçamento, mas, antes, de uma "coligação histórica", de um "ciclo novo", segundo a porta-voz do PAN, nesta frente que se juntou para arredar "a política desastrosa de Ribau Esteves", o social-democrata que se recandidata à presidência da câmara de Aveiro.
Sendo parceira do PS e do governo nas negociações do OE que já decorrem, Sousa Real preocupou-se em não hostilizar o líder socialista e primeiro-ministro que estava sentado ali mesmo à sua frente.
Meio a medo e a rir-se só ensaiou um "repto ao governo" já várias vezes lançado pelo PAN de existir ligação por ferrovia "em Aveiro e em todas as capitais de distrito", referindo que "evidentemente" não podia "deixar de referir", quase pedindo desculpa por fazê-lo.
Foi para Inês Sousa Real a "segunda saudação" de António Costa quando o secretário-geral do PS começou a falar da tribuna no centro de congressos, fazendo questão de referir a micro-extensão desta parceria autárquica, sendo "Aveiro um dos três municípios do país onde o PS e o PAN estão coligados", sendo os outros dois Cascais e Funchal.
Carregando na cortesia, o líder socialista falou da candidatura PS/PAN em Aveiro como "um excelente exemplo daquilo que é a natureza própria do poder local democrático".
Costa assume diferenças entre os dois partidos, mas "para lá das divergências ideológicas, do posicionamento diverso que cada partido tem, o que conta mais numas eleições locais são mesmo os interesses daquela terra, daquelas populações", rematando com um "muito obrigado Inês, muito obrigado ao PAN por esta disponibilidade, por esta coligação".
Sermão de Costa aos que se irritam "muito" quando fala de PRR
Costa entrou na velocidade de cruzeiro, repetindo o discurso sobre o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) que tem feito um pouco por todo o país e que tem provocado uma chuva de críticas à esquerda e sobretudo à direita, com o PSD à cabeça, alegando que o líder do PS está a usar o plano como propaganda eleitoral.
A essas acusações o secretário-geral socialista responde que sabe que "há quem se irrite muito" quando fala do PRR, mas Costa avisa que "é preciso que não se irritem, porque o Plano de Recuperação e Resiliência não é um plano do PS, não é um plano do PAN, é mesmo um plano do país, que hoje está disponível para todos os portugueses, para todas as empresas, para todos os municípios, para todas as universidades, para todas as IPSS".
Costa insiste ainda que ninguém tire o pé, que se dê velocidade à aplicação dos fundos europeus "para conseguir utilizar bem, com transparência, com rigor, sem a menor suspeita de corrupção" essas verbas, apelando ainda às empresas que se mobilizem a "utilizar estes recursos" e "não dêem ouvidos àqueles que dizem que o plano é só para o Estado gastar dinheiro consigo próprio, porque senão desperdiçam a oportunidade que têm de concorrer aos fundos que se destinam exclusivamente às empresas".
Pedro Nuno, que vem sempre a casa e Costa, "há tanto tempo" desejado em Aveiro
Na plateia a ouvir o rol de cinco discursos no centro de congressos de Aveiro esteve Pedro Nuno Santos, ministro das infraestruturas que durante muito tempo foi líder desta distrital e que ali mantém intacta toda a sua influência, como de resto se viu pelas intervenções que se foram ouvindo.
Desde logo a do deputado e vice-presidente da bancada do PS Filipe Neto Brandão que saudou Pedro Nuno com um "sabes que estás em casa" e depois ouviu-se uma subliminar alfinetada do candidato à autarquia de Aveiro a António Costa, fazendo-o por oposição precisamente a Pedro Nuno Santos.
Manuel Oliveira Sousa atirou ao líder socialista um "querido secretário-geral" para o saudar e depois veio o lamento com um "há tanto tempo que também nós o queríamos aqui connosco", classificando Costa como aquele que "sabe mais disto da política a dormir que muitos acordados", completando com um "obrigado por estar connosco".
Mas a maior das delicadezas do candidato socialista foi para o ministro das infra-estruturas a quem atirou um "estás em casa", para logo a seguir aprofundar dizendo "mas Pedro Nuno Santos não está somente em casa às vezes", lançando-lhe diversos elogios pelos "vários assuntos do município, várias dificuldades que têm sido ultrapassadas" ou pela "atenção dedicada, pelo acolhimento, pela resposta", rematando tudo com um "Pedro Nuno, bem-vindo a casa".
Ora, o ministro, tal como aconteceu no congresso de Portimão, também em Aveiro não pronunciou uma palavra, manteve-se sentado na primeira fila ao lado de António Costa, preferindo no final da sessão subir ao palco, não para discursar, mas para confraternizar e tirar fotografias com dezenas de pessoas, numa altura em que António Costa já tinha saído do auditório.