Intensificaram-se nos últimos dias os combates entre forças federais e militares leais ao Governo regional do Tigray, no norte da Etiópia, levando ao receio de que este conflito interno possa transformar-se numa guerra regional.
Os combates começaram no início do mês de novembro mas foi na semana passada, quando as forças do Tigray lançaram projéteis contra a vizinha Eritreia, que o mundo começou a dar mais atenção. O primeiro-ministro Etíope, que venceu o Nobel da Paz precisamente por ter conseguido negociar a paz com a Eritreia, pondo fim a uma guerra de décadas, já prometeu que não vai ceder perante a hostilidade dos líderes regionais e está atualmente a tentar ocupar a capital da região do Tigray.
Mas porque é que se luta na Etiópia, e quais os riscos para o mundo? A Renascença preparou um explicador para o ajudar a compreender mais este conflito africano.
Quem são as partes envolvidas?
De um lado está a Frente de Libertação Popular do Tigray (TPLF) e do outro as forças do Governo Federal, baseado em Adis Abeba. O Tigray é uma das regiões da Etiópia e os tigrenses são historicamente um dos grupos étnicos mais importantes do país. Contudo, em termos demográficos são apenas 6% e queixam-se de estarem a ser discriminados pelo primeiro-ministro Abiy Ahmed, que é da tribo Oromo, que é a maior da Etiópia, com mais de 45% da população.
Porque é que os tigrenses se queixam de discriminação?
Ao longo das últimas décadas a TPLF tem tido um papel desproporcional relativo ao tamanho da sua população e território. Os seus soldados foram instrumentais em derrubar o regime marxista que dominou e devastou o país durante décadas e o resultado é que elementos do partido ocuparam vários cargos no novo Governo, integrando o partido dominante, a Frente Democrática Revolucionária Popular da Etiópia (FDRPE), uma coligação de várias forças étnicas.
Em 2018 uma revolta popular levou à instalação de Abiy Ahmed como primeiro-ministro. O líder do novo Governo dissolveu a FDRPE e desde então tem sido acusado pela TPLF de marginalizar os seus membros que, sem cargos de poder na capital, regressaram à sua região.
Este ano era suposto haver eleições nacionais mas devido à pandemia Abiy adiou-as, levando a TPLF a acusá-lo de agir como um ditador. Apesar da proibição, o Tigray avançou com as suas próprias eleições a nível regional, num claro sinal de rutura com o Governo federal.
Como é que os combates começaram?
Durante dois anos o ressentimento foi crescendo até que no início de novembro, segundo o Governo, forças leais à TPLF atacaram forças federais no Tigray, dando início ao conflito atual.
É preciso realçar que devido ao seu papel na luta contra o regime marxista e, desde então, na guerra contra a Eritreia, que faz fronteira com a região, os tigrenses têm não só muita experiência militar como acesso a armamento pesado. Já os soldados do Governo federal também têm experiência militar recente, devido ao envolvimento militar
O Governo regional do Tigray nega ter iniciado as hostilidades e acusa Adis Abeba de estar a tentar derrubar um executivo regional legitimamente eleito.
Como é que a Eritreia se viu envolvida nisto?
Apesar de ser uma inimiga histórica da Etiópia, de quem ganhou independência nos anos 90 do século passado, a Eritreia fez recentemente as pazes com o regime de Abiy, o que valeu ao líder etíope o Nobel da Paz.
A TPLF acusa o Governo federal de, com base nessa nova relação de paz, ter usado um aeroporto da capital da Eritreia para lançar ataques contra o Tigray e em retaliação disparou rockets contra a capital, Asmara. A medida arrisca envolver a Eritreia no conflito, o que poria em causa todo o processo de paz que tantos anos levou a consolidar. Até ao momento, porém, a Eritreia tem resistido a envolver-se, não tendo comentado sequer o ataque.
A guerra pode ganhar outras dimensões?
Como em qualquer conflito regional, a guerra provocou já uma onda de dezenas de milhares de refugiados que foram na sua maioria para o Sudão. Se a situação continuar a piorar, países vizinhos poderão sentir-se tentados a intervir para tentar estabilizar a zona, levando ao alastrar da guerra para toda a região.
Mesmo internamente, com o agravamento da divisão existe o perigo de se exacerbarem as divisões internas, levando, num caso extremo e catastrófico, ao desmembramento da Etiópia em diferentes países e regiões, à imagem do que aconteceu na Jugoslávia nos anos 90 do Século XX.