Constituir o juiz Carlos Alexandre como arguido é uma decisão automática que nada tem a ver com a validação do conteúdo do pedido de Instrução feito por José Sócrates à justiça.
Em declarações à Renascença, o presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), Manuel Ramos Soares, esclarece que "quando é admitida abertura de Instrução e essa admissão não depende do mérito dos indícios, mas do cumprimento das formalidades para abertura de instrução, essa pessoa adquire - por efeito automático da lei - a qualidade de arguido, independentemente se o pedido tem mérito, se há indícios de crime ou a decisão de arquivamento foi correta. Independentemente de tudo isso, para que a pessoas tenha direito a defesa, é constituída arguida".
O semanário “Expresso” avançou nesta quinta-feira que o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu aceitar o requerimento de abertura de instrução apresentado por José Sócrates no âmbito do caso da distribuição manual da Operação Marquês em 2014, distribuição essa que atribuiu a Carlos Alexandre todo o processo.
Este pedido da defesa de José Sócrates aconteceu depois de o Ministério Público ter arquivado o inquérito sobre esta matéria. Recorde-se que este episódio já foi alvo também de avaliação do Conselho Superior da Magistratura (CSM), que admitiu, no início deste ano, que o caso foi distribuído “diversamente do legalmente estabelecido”, apresentando “irregularidades procedimentais”.
O Ministério Público detetou que a distribuição não foi eletrónica como deveria e podia ter sido no Citius no dia 9 de setembro de 2014. Em comunicado informava que, apesar das conclusões, “o direito de instaurar procedimento disciplinar quanto a tal matéria caducou”. Também o Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça (IGFEJ) foi chamado a avaliar este caso, mas não detetou falhas no sistema.
O juiz de instrução Carlos Alexandre e a escrivã Teresa Santos são os dois visados neste caso onde são agora arguidos.
É uma meia vitória para já para a defesa de Sócrates, uma vez que o desembargador do Tribunal da Relação Jorge Antunes rejeitou um pedido do arguido para a realização de novas diligências para prova.
"Ainda é possível haver produção de prova, mas é muito pouco provável. As diligências de prova na instrução só muito limitadas. Se o tribunal achar que a prova pedida não é essencial, pode indeferir o pedido", afirma o Presidente da ASJP.
O debate instrutório está marcado para dia 11 de março à tarde. "Agora, abre-se instrução, o tribunal analisa se há indícios no sentido em que foi pedida a abertura de instrução ou se o processo tinha sido bem arquivado já pelo Ministério Público. No final toma a decisão de mandar para julgamento ou mandar arquivar o processo", adianta o presidente da ASJP.
Em resposta à Renascença, o Tribunal da Relação confirma que Carlos Alexandre "foi constituído arguido num processo a correr termos na 5ª secção". O debate instrutório está agendado para "o próximo dia 11 de março, às 14h30 horas”.
Juiz mantém-se ainda em funções
A Renascença contactou o Conselho Superior da Magistratura, que informa não ter sido notificado ainda de qualquer decisão, decisão essa que deverá ser comunicada ao órgão de gestão e disciplina dos juízes, uma vez que envolve um magistrado.
O órgão esclarece que a constituição de arguido não afasta automaticamente Carlos Alexandre de funções – os juízes suspendem funções apenas no dia em que forem notificados do despacho de pronúncia, que os leva julgamento, ou do despacho que designa o dia para o início desse mesmo julgamento por crime doloso praticado em exercício de funções.
Juiz ou cidadão comum estão em pé de igualdade perante a justiça
Juízes e procuradores têm, como arguidos, os mesmos direitos e deveres com uma diferença apenas: "o processo não corre na primeira instância, mas na Relação”.
“A ideia da lei é que um juiz julgado pelos pares da mesma instância poderia levantar dúvidas de isenção e por isso corre num tribunal superior, o da Relação", explica Manuel Ramos Soares.
Carlos Alexandre terá um advogado
"Qualquer pessoa constituída arguida tem direito a ter assistência de um defensor. Ou constitui um advogado ou, se não o fizer, o tribunal nomeia um oficiosamente, porque não pode haver arguidos em processo crime sem defensor", afirma ainda o presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses.