O secretário-geral do PS considerou esta sexta-feira que o Bloco de Esquerda apresenta um programa irrealizável com aumento drástico da despesa, enquanto a coordenadora bloquista acusou os socialistas de terem um programa com falta de contas. Estas críticas entre António Costa e Catarina Martins foram trocadas na RTP, num debate com 36 minutos que decorreu de forma cordial, embora tenso em alguns momentos, especialmente quando se discutiram questões como as nacionalizações, carreiras da administração pública ou legislação laboral.
Quanto à reedição da atual solução política após as eleições legislativas, tanto António Costa como Catarina Martins remeteram o assunto para o voto dos portugueses no dia 6 de outubro.
"O Bloco de Esquerda nunca faltou à estabilidade da vida das pessoas", declarou a coordenadora bloquista.
Já António Costa, por duas vezes, procurou deixar a seguinte garantia: "O muro que derrubei há quatro anos, a porta de diálogo [à esquerda] que abri há quatro anos não vou fechá-la agora". "Iremos continuar a conversar seja qual for o resultado eleitoral. Não vou estar nesta campanha eleitoral com a obsessão de ter maioria. Temos o objetivo de ser reforçados, porque é importante para o país, porque o PS é o garante do equilíbrio que permitiu a estabilidade nesta legislatura", disse.
Catarina Martins iniciou uma série de críticas ao teor "pouco concreto" do programa do PS, depois de citar uma recente entrevista do ministro das Finanças, Mário Centeno, em que este admitiu aumentar os salários da função pública à taxa de inflação. "O PS não apresenta contas no seu programa e o que está no Programa de Estabilidade não chega sequer para aumentar a inflação. O Programa de Estabilidade prevê uma inflação de 1,5%, mas mesmo que a inflação venha a ser de 1% o que lá está não chega para aumentar os funcionários públicos. A questão é que não se percebe, porque faltam contas", apontou.
No contra-ataque, o líder socialista alegou que o Bloco de Esquerda apresenta como grande meta político-eleitoral "impedir que o PS se fortaleça o suficiente" no próximo dia 6 de outubro, advertindo que uma situação à espanhola seria negativa para o país, e atacou depois o programa apresentado pelos bloquistas. "O programa do PS tem as contas feitas, está alinhado com o Programa de Estabilidade e é realista. Não propõe, como o Bloco de Esquerda, um aumento de 30 mil milhões de euros [cerca de 15% do Produto Interno Bruto] com um conjunto de medidas em matérias de investimento, fiscalidade e prestações sociais. Todos gostávamos disso, mas governar exige fazer escolhas", salientou.
Neste ponto, António Costa foi mais longe, dizendo que um programa de governo tem de fazer opções e "não pode ser uma lista de prendas de Natal com tudo aquilo que se gostaria de poder fazer".
Ainda de acordo com o secretário-geral do PS, o Bloco de Esquerda propõe-se "contrair dívida para nacionalizar um conjunto de empresas". "Gastar 10 mil milhões de euros para nacionalizar a GALP significa o mesmo montante da despesa corrente do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Num momento em que temos de reforçar o SNS, vamos gastar 10 mil milhões a nacionalizar a GALP? Para quê? Qual o sentido desta despesa?", questionou.
Na resposta a estas críticas de Costa, Catarina Martins afastou a possibilidade de um cenário à espanhola após as legislativas. "Com certeza que António Costa não está à espera de ir negociar o Governo nem com deputados bascos nem catalães. E sabe - sabe o país todo -, que, na verdade, estes quatro anos tiveram estabilidade. E se houvesse maioria absoluta, aí haveria instabilidade. As pessoas lembram-se das maiorias absolutas e sabem como pode haver instabilidade na sua vida", contrapôs.
Na questão das contas, a coordenadora do Bloco de Esquerda citou o Tribunal de Constitucional para defender que as do seu partido estão certas, ao contrário das que têm sido apresentadas pelo PS.
Depois, Catarina Martins deixou a ideia de que o programa dos socialistas indicia cortes nas carreiras especiais da administração pública - o que Costa negou - e rejeitou a "caricatura" que o secretário-geral do PS tentou fazer das nacionalizações em Portugal. "A questão das nacionalizações é um consenso à esquerda, defende o Bloco de Esquerda, defende o PCP. E eu acho que o PS percebe a sua necessidade e sabe que aquilo que propõe o Bloco é bastante razoável. O PS, quando nós negociámos o acordo, compreendeu a necessidade de reverter as privatizações dos transportes coletivos - e sabe, por exemplo, que não precisou de comprar o capital todo da TAP para ter controlo da empresa", observou.
Costa, neste ponto, ripostou, afirmando que o Bloco tem um programa que "prevê a emissão de dívida pública, estendida ao longo do tempo, num total de 27,357 mil milhões de euros para nacionalizar a ANA, os CTT, a REN, a EDP e a Galp". "O que eu digo é que eu não vou gastar dinheiro dos portugueses a fazer estas nacionalizações", reforçou.
Em matéria de legislação laboral, a coordenadora do Bloco de Esquerda considerou "um perigo" que o PS entenda que "está tudo bem" e voltou a criticar no atual Código de Trabalho a existência do período experimental de seis meses para jovens.
"A legislação laboral que entrará em vigor em 01 de outubro é a primeira legislação que elimina o facto de se ser jovem como fundamento para ser contratado a prazo e penaliza as empresas que abusam da precariedade", rebateu o secretário-geral do PS.