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A tortura e as punições cruéis existem em mais de metade dos países do mundo e na Síria, país em guerra há quase cinco anos, há uma verdadeira cultura do medo, afirma Duarte Nuno Vieira, presidente do Conselho Europeu de Medicina Legal e membro do Conselho Forense Consultivo do Procurador do Tribunal Penal Internacional (TPI).
Em entrevista à Renascença, Duarte Nuno Vieira, que já integrou dezenas de missões da ONU, fala do difícil trabalho dos relatores no terreno. Isto quando é possível entrar, o que não foi possível em países como Cuba, Rússia ou Estados Unidos.
A tortura ainda é uma prática habitual em pleno século XXI?
A tortura, infelizmente, embora seja totalmente proibida pela lei internacional, e que foi perspectivada na Declaração Universal dos Direitos do Homem, a verdade é que constatamos que é uma prática ainda bastante frequente. Atinge ainda muitos países e não apenas os ditos menos desenvolvidos, mas também os desenvolvidos, obviamente com tendência para ser práticas mais intensas em países que atravessam situações de conflito bélico, conflito religioso, países menos democráticos.
Relembro que um dos últimos relatórios da Amnistia Internacional dava conta da prática confirmada tortura ou de punições cruéis, desumanas e degradantes em mais de 110 países do mundo, o que é um factor preocupante.
Estas práticas resultam de simples negligência ou de uma cultura que é preciso manter?
Resulta, muitas vezes, da tentativa de intimidar, de criar medo, de criar receio. Resulta de um acto de negligência, falta de cuidado e respeito pela dignidade humana. Falta até de formação, resulta outras vezes de desconhecimento por parte das autoridades governamentais. Já houve visitas por parte do relator especial das Nações Unidas contra a tortura que surtiram efeitos imediatos, porque os próprios governantes ficaram tão admirados com a situação que lhes foi transmitida, que tomaram medidas imediatas. Quando o relator visitou o Uruguai, o próprio Presidente do país ficou tão admirado com aquilo que lhe foi mostrado no final que, ele próprio, promulgou de imediato um decreto mandando encerrar os dois estabelecimentos prisionais que tinham condições absolutamente degradantes e sub-humanas.
Muita gente não sabe, mas há um conjunto de regras internacionais que estabelecem as condições mínimas para quem está em detenção: o espaço mínimo por detido dentro de uma cela, o tipo de ventilação, o tipo de vestuário, de alimentação, a necessidade de cuidados médicos mínimos, a quantidade de água que cada detido deve ter acesso por dia. Já participei em mais de 35 missões internacionais e devo confessar que, muitas vezes, estas condições não são minimamente respeitadas.
A comissão de inquérito da ONU ao conflito na Síria revela o extermínio de milhares de pessoas e de crianças roubadas para servirem como soldados.
Infelizmente, há sectores da população que são vítimas mais vulneráveis deste tipo de conflito. As mulheres, as crianças e os idosos são populações em risco muito particular. São vítimas privilegiadas deste tipo de situações.
Quando os peritos chegam a um país com problemas, como conseguem levar a cabo a sua missão no terreno?
Tudo dependente do organismo dentro das Nações Unidas que está a fazer a visita. Há organismos que só podem entrar nos países com autorização do Governo. É o exemplo das visitas do relator especial contra a tortura. Mas uma vez tendo entrado no país, o relator tem acesso a qualquer hora do dia ou da noite a qualquer centro de privação de liberdade, desde prisões de alta segurança, prisões militares, esquadras de polícia onde haja celas, até estabelecimentos psiquiátricos de internamento compulsivo. Isso é fundamental porque é o que permite detectar as situações, não permitindo que as autoridades desloquem os presos de um sírio para o outro e dêem um outro cenário àquilo que vai ser visitado.
O relator especial das Nações Unidas há vários anos que pede a entrada nalguns países, e nunca lha concederam até hoje. Um desses países é Cuba. Um Governo nunca gosta de reconhecer que a tortura acontece no seu país ou que as condições de detenção podem ser cruéis, degradantes e desumanas. Isso nunca deixa ninguém bem na fotografia. Mas muitas vezes também estão interessados em que o relator promova as conclusões para mudar a realidade que existe.