De Trump a Xi, de Putin a Macri e Salman pelo meio. O que esperar da cimeira do G20
30-11-2018 - 10:20

Da última vez que os líderes das 20 maiores economias mundiais se encontraram, Donald Trump retirou os EUA do Acordo do Clima de Paris. E este ano, o que pode acontecer? Caso Khashoggi e querela entre a Rússia e a Ucrânia prometem aquecer reuniões.

Arranca esta sexta-feira a 13.ª cimeira do G20, o encontro anual entre os líderes das 19 maiores economias do mundo e um representante da União Europeia. Chefes de Estado como Donald Trump, dos EUA, e Mohammed bin Salman, o príncipe herdeiro da Arábia Saudita, começaram ontem a aterrar em Buenos Aires, na Argentina, recebidos pelo Presidente argentino, Mauricio Macri.

O pano de fundo é uma série de polémicas e tensões latentes que prometem aquecer as reuniões. Fora da cimeira principal, antecipam-se ainda promissores encontros bilaterais, à exceção da reunião entre Vladimir Putin e Trump, que foi ontem cancelada pelo Presidente norte-americano por causa das tensões no Mar de Azov.

A presença de António Guterres, secretário-geral da ONU, também é de salientar, sobretudo depois de o antigo primeiro-ministro português ter manifestado vontade de conversar com Bin Salman sobre a guerra no Iémen.

Dois terços da população mundial vão estar representados nesta cimeira, o que aumenta a relevância dos encontros. Há um ano, na última cimeira do G20, Trump chocou a maioria dos aliados ao anunciar a retirada dos EUA do Acordo do Clima de Paris. E este ano, o que se pode esperar?

De olhos postos (e dedos apontados) à Arábia Saudita

Não é demais dizer que Mohammed bin Salman (MBS) é uma das figuras que mais atenções e críticas tem angariado nos últimos meses. Herdeiro do trono saudita, é ele o líder de facto do reino que mais petróleo exporta para o resto do mundo, razão pela qual líderes como Trump e Putin se têm recusado a criticá-lo pelo seu alegado papel no assassinato de Jamal Khashoggi.

O jornalista, colunista do "Washington Post" e dissidente saudita foi morto no início de outubro no consulado do seu país em Istambul, na Turquia. As autoridades sauditas começaram por garantir que Khashoggi saiu pelo próprio pé do consulado, mudando depois a versão dos acontecimentos várias vezes até assumirem que o crítico do regime morreu, de facto, na representação diplomática.

Com este homicídio ainda presente e ainda envolto em algum mistério, vários líderes vão encontrar-se com MBS, incluindo Recep Tayyip Erdogan, o Presidente da Turquia que continua a apontar o dedo aos "mais altos níveis" do Governo saudita, e o Presidente da Rússia, que depois de dois meses de silêncio quase total vai discutir o assassinato com MBS.

“Negociações de Paz.” Guterres quer reunir-se com o príncipe saudita

Também o secretário-geral das Nações Unidas (ONU), António Guterres, quer aproveitar a cimeira para se encontrar em privado com o príncipe herdeiro da Arábia Saudita.

"Penso que estamos perto de criar as condições para dar início a possíveis conversações de paz [no Iémen]", disse o secretário-geral da ONU dias antes do início da cimeira. Para já, é incerto se haverá cedências da parte dos sauditas quanto ao conflito por eles patrocinado, que já provocou mais de 10 mil mortos em quatro anos.

O agravamento da crise humanitária no Iémen, potenciada por uma guerra que começou em 2014, tem levado várias nações ocidentais a pedirem que a Arábia Saudita ponha fim à sua campanha militar contra os rebeldes hutis. Guterres tem esperança de que a cimeira desta sexta e sábado permita criar condições para preparar negociações de paz.

“Claro que a Arábia Saudita é absolutamente crucial para esse propósito e estou preparado para discutir isso com o príncipe herdeiro ou com qualquer outro oficial saudita, porque acredito que este é um objetivo muito importante neste momento", garantiu esta semana.

Encontros e desencontros com a Ucrânia em primeiro plano

Um dos encontros mais esperados desta cimeira era entre Trump e Putin, mas por causa do recente escalar de tensões entre a Rússia e a Ucrânia, o líder norte-americano decidiu cancelar essa reunião.

A decisão foi algo inesperada, considerando os elogios rasgados que Trump tem tecido ao homólogo russo desde que tomou posse, sobretudo por alturas da cimeira entre ambos que teve lugar em junho na Finlândia.

Nesse encontro, Trump desmentiu o que os seus serviços secretos achavam sobre a interferência russa nas presidenciais americanas em 2016, nas quais foi eleito. Apesar de a grande maioria das autoridades acreditar que a Rússia interferiu nas eleições, Trump preferiu ficar ao lado de Putin.

Alguns analistas antecipavam que isto ia repetir-se nesta cimeira do G20, mas ontem Trump decidiu cancelar a reunião com Putin por causa dos eventos do passado domingo.

Nesse dia, a Rússia apreendeu três navios ucranianos no mar de Azov, perto da contestada península da Crimeia. Entre Ucrânia e Rússia, seguiu-se uma troca de acusações sobre quem terá causado o incidente.

A Rússia diz que foi provocada; a Ucrânia diz que não fez nada de errado. O mundo colocou-se do lado dos ucranianos, devido aos antecedentes russos na região – a Crimeia fazia parte do território ucraniano, mas a Rússia anexou ilegalmente a região em 2014, algo que não foi reconhecido pela ONU nem pela maioria dos países.

“Com base no facto de que os navios e os marinheiros não foram devolvidos à Ucrânia pela Rússia, decidi que será melhor para todas as partes envolvidas eu cancelar a reunião marcada na Argentina com o Presidente Vladimir Putin", escreveu no Twitter.

Brexit pronto, falta o resto do mundo

Depois de dois anos de negociações com a União Europeia, o acordo que finaliza a saída do Reino Unido da comunidade europeia está finalmente pronto. O acordo foi aprovado pelos líderes europeus no domingo, mas o desfecho do voto no Parlamento britânico continua difícil de prever e existe a possibilidade de o próprio processo formal de saída vir a ser revertido.

Apesar disto, Theresa May vai estar em Buenos Aires já de olhos postos no pós-Brexit, na esperança de começar a alinhavar acordos comerciais bilaterais para o momento em que o Reino Unido sair da UE, numa altura em que até Trump tem dúvidas sobre a viabilidade do acordo de Brexit para as relações económicas entre Reino Unido e EUA.

Há ainda a ter em conta que a cimeira do G20 este ano acontece na Argentina, um país que vê no Brexit a possibilidade de voltar a lutar pelo controlo das Malvinas, ou ilhas Falkland, que ficam a leste da costa sul-americana e que são detidas pelos britânicos.

Por esse motivo, vários analistas antecipam que o futuro das ilhas pode ser discutido neste encontro, sobretudo depois de Jorge Feurie, ministro dos Negócios Estrangeiros da Argentina, ter sublinhado antes da cimeira que elas pertencem ao seu país.


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Reconciliação entre Trump e Xi Jinping?

Um dos pontos de maior interesse e resultado incógnito é a forma como Donald Trump e o Presidente da China, Xi Jinping, vão debater as relações comerciais entre os dois países, depois de os EUA terem imposto uma série de tarifas sobre produtos importados à China para forçar Pequim a negociar um novo acordo.

Mais de cinco mil produtos chineses foram já atingidos em cheio pelas taxas alfandegárias, defendidas por Trump como elementares para acabar com a "deslealdade" comercial do gigante asiático.

Em resposta, o Governo chinês impôs as suas próprias tarifas sobre produtos importados aos EUA.

A aumentar o mistério, Trump declarou esta semana sobre o encontro com Xi em Buenos Aires: “Estamos muito perto de fechar alguma coisa com a China, mas não sei se quero fazê-lo. A China quer um acordo. Mas gosto do acordo que já temos”, disse aos jornalistas.

Será a primeira reunião entre os dois líderes depois das divergências comerciais. Para o assessor económico da Casa Branca, Larry Kudlow, “há uma boa possibilidade de que um acordo seja alcançado e que [Trump] esteja aberto a ele".

O embaixador de Pequim também se mostrou confiante quanto a um futuro acordo, mas não deixou de alertar para as consequências de os Estados Unidos continuarem a aumentar o fosso entre as duas maiores economias mundiais.

“Não ao G20”. Ativistas também vão marcar presença

À semelhança das outras cimeiras do G20, vários ativistas anticapitalismo são esperados na capital argentina, onde a cimeira vai decorrer sob um forte aparato policial.

As principais manifestações começaram esta manhã, a par de protestos diários que o Governo de Mauricio Macri tem enfrentado por causa das suas políticas de austeridade.

O G20 reúne-se anualmente desde 1999 para discutir a política e a economia mundiais. Neste momento, é composto pela Alemanha, África do Sul, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, Coreia do Sul, Estados Unidos, França, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Reino Unido, Rússia, Turquia e um representante da União Europeia.

Juntos, os 19 países e a restante UE detêm 85% de toda a riqueza mundial.