“Beijinhos, abraços e passou-bem são para evitar daqui para a frente [depois da Covid-19] como forma de cumprimento”, afirma à Renascença o especialista em saúde pública, Henrique Barros.
O presidente do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP) e do Conselho Nacional de Saúde garante que depois desta pandemia, outras vão chegar, e por isso mesmo há coisas que impreterivelmente vão mudar na forma como nos relacionamos com os outros e com o espaço. A forma de nos cumprimentarmos é uma delas.
“Esse tipo de cumprimento [beijinho, abraço ou passou-bem] não adianta coisa nenhuma, é uma formalidade, e nem sequer representa o afeto que temos uns pelos outros”, começa por referir. Mas se são, muitas vezes, inócuos na categorização e hierarquização das relações, não o são como veículos de transmissão de uma doença.
“Em doenças em que a transmissão é pela boca, pele e mucosas, esta forma de saudação é um veículo de transmissão”, refere o especialista, que dá o exemplo dos chineses e dos indianos como povos que já tomam precauções. Os primeiros mantêm uma distância de segurança quando se cumprimentam, e os segundos, afirma, põem a mão a frente da boca.
As pandemias são uma realidade que ao que tudo indica está para ficar, e não vamos poder esquecer tudo o que vivemos e vamos viver neste período com o novo coronavírus. Se antes, as pandemias surgiam de 40 em 40 anos, só nestes 20 anos de século XXI já tivémos a título de exemplo a SARS, a MERS, a gripe hemorrágica, o alastramento da cólera, e agora em maior escala, a COVID-19.
“Com as mudanças climáticas, a urbanização brutal das nossas sociedades, a mobilidade extraordinária em que vivemos, situações destas são esperadas e vamos ter de as enfrentar novamente. Vamos ter de estar o mais preparados possível para prevenir e responder aos danos”, defende.
Pequenas ou grandes transformações?
Henrique Barros fala de pequenas mudanças, se tivermos em conta as grandes alterações que podem ocorrer caso não as respeitemos. “Se as cumprirmos todos juntos, evitamos seguramente a grande mudança que é termos de ficar todos confinados e fechados”, alerta.
Entre estas “pequenas mudanças” que temos de incorporar no nosso dia-a-dia, o director do ISPUP destaca a necessidade de “mantermos maior distância física”, mas o mesmo alerta que tal não se deverá traduzir em “distância afectiva”. “Essa não devemos diminuir”, alerta.
Por outro lado, o mesmo responsável argumenta que doravante teremos de adoptar uma relação diferente com a limpeza. “Não tínhamos tradição de manter limpos os tampos das mesas, os corrimões, etc”, enumera.
Os portugueses, mas não só, têm ainda de interiorizar que “não podemos trabalhar quando estamos doentes”. “Aquela ideia de que demonstrávamos aos outros o nosso compromisso com o trabalho, a nossa vontade e abnegação, se íamos ainda a tossir e a espilrar para o emprego, isso tem de acabar”, afirma peremptoriamente. “Devemos trabalhar quando estamos bem, e ficarmos em casa quando estamos doentes”, concretiza.
Estes, garante o especialista, são exemplos de como “mudar comportamentos que do ponto de vista da nossa sobrevivência são melhor”.
Readaptação ao mundo
Henrique Barros diz ainda que há muitas questões em que teremos de ter a capacidade de nos reeducar na nossa forma de viver, quer socialmente, quer na higiene. Será, em termos genéricos, a readaptação a “um mundo em que enfrentamos problemas que não estávamos habituados”.
O mesmo dá o exemplo dos orientais, não só na China, que há mais de um século entendem o uso da máscara como uma prova de que “se preocupam com a saúde dos outros”, e as pessoas sentem-se seguras “quando viam alguém com máscara”. “Era sinal de que aquela pessoa tinha consciência social em relação à saúde pública”, ilustra. “Aqui, no Ocidente, é ao contrário, se virmos alguém de máscara fugimos dela”, sublinha.
Para o presidente do Conselho Nacional de Saúde, os planos de contingência têm de ser feitos desde de uma escala macro até uma escala micro, ou seja, de um nível global, passando pela nacional, até à organização em que trabalhamos, à família e a cada um de nós.
Neste sentido, e como meio de dar um maior incremento a estas preocupações que são recrudescentes, a ASPHER (Associação de Escolas de Saúde Pública da Região Europeia), de que o professor Henrique Barros faz parte da direcção, lançou uma declaração sobre o novo coronavírus, em que apela que apela a que “cada país individualmente reconheça as competências específicas dos profissionais de saúde pública, envolvendo-os na tomada de decisões para coordenar de forma efetiva ações aos níveis Europeu e nacional e invista fundos e recursos adequados nos sistemas de saúde, nas operações essenciais de saúde pública”.
Mas isso quer dizer que os profissionais de Saúde Pública não estão a ser tomados em linha de conta na tomada de decisões? “Não tanto como devia. A saúde pública só se vê quando não funciona, ao contrário da saúde curativa que estamos sempre muito atentos”, responde Henrique Barros.
A dimensão dos problemas que enfrentamos ao nível nacional, mas também internacional, com o COVID-19 colocaram nu a dimensão destes problemas quer nacional quer internacionalmente, e revelam “o subdimensionamento das respostas organizativas.”